15 novembro, 2007



Manual


É tarde,
Apague a luz,
Claridade incomoda o que sobrou dos olhos,
Corroídos pelo ácido que expelia rotineiramente.
Feche a porta,
Não quero que as crianças me vejam assim.
Traga a faca, é necessário.
Solte o Lampião e a Maria Bonita,
A gaiola ficou apertada...
Assim como minha dor;
Beije a Hannah, já que não o farei,
Meus lábios se contorcem, e não os domino mais.
Tenha paciência com a Sophia, ela é terrível,
Mas é minha caçula...
Abrace o Nick, ele é carente como a mãe.
Pegue o Pavarotti no colo de vez em sempre,
Ele fica irritado quando está restrito,
Acho que sofre de bipolaridade,
Talvez seja necessário consultar o João...
E a carcaça???
Deixe-a...como há muito fez.


BM

12 novembro, 2007



Introspecção


cá estou eu, em meu canto
predileto da casa...
o box – de paredes gélidas,
que me esquentam a pele,
sentada no piso frio,
com aquela caneta belíssima
que me fora presenteada,
Bandeira de apoio e
algumas páginas de rascunho.
depois de tamanha confissão,
após a cruel descoberta
cuja teoria é embasada pelo Othon
de que só existe uma quantidade “x”
de contar história...
por isso a minha se repete?
ou sou esse monstro terrível
do pântano? essa personificação
do egoísmo? sou, ou me moldaram desta forma?
não sei a resposta.
espero no sinal vermelho
ou avanço e vou em direção ao poste...
ainda tem solução para a vida/morte?
minhas cicatrizes já não estão mais
tão cedidas aos cortes...
minhas lâminas desafiadas...
meu discurso cansado e molestado.
adoeço na Terra do Sol...
o que afirma que nasci para a escuridão...
e adormecerei enquanto o mundo acorda...
capaz que seja menos doloroso...



BM

27 outubro, 2007



Transplante


Tu, hoje me deixas nos braços
Um filho enrolado a um cueiro
Ainda sem bordas, as fraldas
Com as bainhas a serem feitas.
Largas-me assim, com este
Marido ao lado, inconsolável,
Em cujas lágrimas insopitáveis
Derrama toda a crueldade do que
É para um homem a trajetória sem ti.
Abandonas-me na casa de
Meus mortos, onde minhas quimeras
Foram assassinadas pelo destino que seguiu
Friamente o teu curso.
Ouço tua voz, é a minha pérfida e inútil
Consciência que berra tua ausência
Feito um bezerro desmamado.
Teus passos que deambulam de um
Lado a outro desta construção
De sólidas bases, caminhas até teu quarto,
Dele ao banheiro, à cozinha para apagar
O feijão que torra ao fogo e eu sequer noto;
Já não tenho olfato, a não ser para o teu perfume,
Quando invade as paredes de meu
Antro saudoso para me pedir que vá
Para cama mais cedo, e adormeça na paz que não domino.
Desculpa se me acobardo, se desejo mudar o rumo da prosa,
E passar, mesmo que por osmose o sopro de vida,
Que ainda pulsa nestas veias minhas esturricadas,
A ti, para que renasças fênix de asas perfeitas,
E conduza tua casa, teu menino, teu matrimônio...
Venha, encoste a mão no dorso da minha,
Neste ato somos amigas, irmãs, cúmplices, sou um útero
Ainda intacto pronto a derramar-te vida,
Tome meus pulmões com tuas garras e os
Transplante em ti, são saudáveis, acredite,
A mim, deixe apenas o coração proláptico,
Posto que este não é mérito a ninguém.

BM



13 outubro, 2007



Ausência


Tu, que te agarras às minhas camisolas de seda inexistentes...
Ou de chiffon com adornos bordando uma delicadeza única
Não podes agarraste à elas, são invisíveis, são foto polaroid
Perderam-se no tempo de um século malogrado...
Hoje, só te restam meus pijamas, de calças folgadas, azul celeste...
Mangas compridas, e botões cintilantes como as lágrimas
Que brontam na face tua, escaldando as maças tão límpidas
De um rosto que não nascera para receber a acidez do pranto
Provocado pela ausência do seu amado...
Tu, que hoje não pode acorrentar-me a teus braços firmes
Nem podes tocar uma canção de ninar para que eu adormeça
Sem paz, sem zelo, com descuro...
Tu, que os olhos são refletores d'alma...
Qual, Ismália enlouquecida, hoje quer se atirar ao mar
Pois fora tomada pela ilusão de que existiam duas...
De que eu, Bruna, era par;
Nego, sou ímpar, não há no mar a minha figura reluzente à luz nocturna
Tal como a lua de Alfhonsus..
Portanto, não te atires aos meus lençóis pueris,
Minha lembrança amnésica não está no perfume daquele refil na suíte.

BM

06 outubro, 2007





“Por enquanto eu morri, vamos ver se renasço” C.L.

Suicidada

Agora está decidido,
Vou cortar as unhas,
Não as pintarei mais de carmim,
Rasparei as melenas,
Não as deixarei mais azeviche,
Serei ruiva na certidão,
Incompleta de nascimento,
Perpétua pelo destino,
Carregarei minha cruz,
Se me deram este peso, eu suponho
Que devo suportar.
Não rasgarei mais meus membros,
Golpearei as poesias que correm soltas
Envenenadas como o sangue
Contaminado de nossas veias.
Não matarei a ti, pois morrerás comigo.
Não tomarei mais cicuta com a validade vencida,
Brindaremos cianureto em meu velório,
Fugirei das mesóclises, não sei usá-las mesmo.
Minhas orquídeas, despetá-las-ei...
Tenho raiva delas, tenho asco de mim,
Tenho amor por nós,
Por isso, me odeio.
Por isso, amo-te.
Posto que tu és luz,
Enquanto eu sou sombra,
És alva,
Enquanto eu de nacionalidade duvidosa.
És nobre,
Nada além de uma plebéia sou...
És culta,
Nem tenho gramática.
És poeta,
Sou verborrágica.
És vida,
Sou a urna clemente onde
Deitarei ao som de Fédon,
O cadáver há muito falecido.

BM.





Suplícios


Já não são mais somente três vezes,
Que clamei por ti.
Em meio as noites desatinadas de meu percurso
Torto, tonta eu já perco as contas.
Já não são mais três os morfemas
Que grafam minha infelicidade,
Rascunharia a face por tanto descuro.
Em tão alto grau quis assassinar-te,
Mas não posso me valer do pretérito,
Posto que me seja imperfeito,
Valho-me do agora e nunca,
Do quanto quero tê-la morta
Em meus braços, da vontade
Que me invade o peito, me crava os pulmões
Já pleuríticos, de ter emergido teu corpo
Já sem vida desta lama, poltronice na qual
Imergiste, e me parece sem volta.
Sinto eclodir em meu peito que não é proláptico
A avidez de te presentear com o mais belo
De minh’alma – tua morte.
Assim, poderia roufenhar baixinho
Ao pé de teu ouvido cadavérico:
- Acorda, Alice.

BM.

31 agosto, 2007



Pérfidos Humanos


O que devo a esta raça de humanos?

Homens vis, aleivosos como que

Por instinto fosse natural dar-se

À traição - mero deleito, condição já natural!

Por que me condena a sociedade por atos

Considerados transgressores?

Não cobiço a mulher do próximo,

Não mato,

Não furto...

Porém, me é negado o direito de abraçar,

Beijar,

Acariciar...

Pois posto que o que desejo a lei proibe

Mas não condena os peixes grandes...

As verdadeiras mazelas de um país imundo.

Não impede as companhias aéreas, prefere

Fazer o DNA dos restos mortais iverossímeis

Daqueles cadáveres carbonizados.

Até quando viverei enclausurada?

Por quanto tempo manterei a minha farsa?

Meu casamento perfeito aos olhos da família tradicional?

Um homem para pousar ao meu lado nas datas comemorativas,

No meus álbuns fotográficos, em meus porta-retratos empoeirados...

Se a única que pisa e passeia nos cômodos de meu coração

E minha eterna paixão - tens o mesmo sexo que o meu.

Por que esconder-me?




BM



15 agosto, 2007




Declaração


Hoje amante

Amada,

Calada,

Olhar-te

Não é simplesmente

Vê-la em nossos lençóis pueris.

É ver o belo liberto,

Do que oprimia o peito meu

Agora, regaço teu.

Estes olhos que de um negrume,

Cintilam ao pousarem na

Vil poeta que tenta em líricas

Transfundir o amor que sentes

À veia da mulher

Esperada,

Buscada,

Alcançada.

Escalei teu corpo...

Feito alpinista agarrada a teus seios,

Com o intento de alcançar

Tão somente a boca tua,

E fazer de nossas carnes,

Uma só.


BM



Restos Ovuláres




Olhar para trás é observar


As trilhas de meus caminhos


Sempre escusos, no chão


Misturado ao barro, os farrapos


De minha vaidade se desfazem pó.


Os lençóis manchados de sangue,


Incessante, a cada mês,


Atiram-me na face a inutilidade


De um útero seco,


Quiçá uma histerectomia


Impediria-o as lágrimas


De um óvulo não fecundado,


De um berço vazio,


Das fraldas ainda embaladas.


Criatura condenada à solidão


Noturna, a uma cama para dois,


E sequer os fantasmas desejam


Dividi-la comigo,


Aquele anel, aquele ícone


Que simbolizaria o enlace de duas vidas


Não veio no pacote da minha.


Fui presenteada apenas com a dor


De todos os intelectuais,


Quisera eu ser apenas um vegetal,


Um ser irracional,


Mas me segue a sina dos imortais,


O destino cruel da loucura placentária.




BM



Vidas Cruzadas 23/07/07



À memória de Maria do Socorro Gomes

(Excelente Mãe, Ilustre Mulher, Amável Irmã, Dedicada Avó, Amada Tia, Incomparável AMIGA).


Eis-me aqui, sentada neste tronco morto

ao lado desta casa, as lembranças

são tão nítidas, custo a crer

que acabara de ver-te naquela urna,

indo ao fundo de um buraco

onde jamais fora o lugar do corpo teu.

dor insopitável, lanço meu

corpo em uma sepultura,

inaceitável...

Por que não me deste mais tempo?

agora, como entrar nesta casamata e

não ter vestígios teus...

não vê-la no sofá da sala,

nem tampouco na cama onde

sentávamos e consolávamos nossas almas...

não ouço o arrastar de seu pés...

conheci a ti enferma,

me achaste desiludida, assolada por uma

depressão atroz,

deste-me sentido, tu querias viver...

enquanto eu rogava pelo fim de meus dias!

a vida fora injusta contigo em teu curso...

por que me deixaste aqui?

não me deste mais tempo...

hoje, amiga, eu, incompetente sinto

tua falta gélida como mármore

acaricio teu rosto, mas não me respondes,

Mary, foi breve, porém uma de minhas

maiores verdades foi ver Luz em teus Olhos.



BM

24 maio, 2007


Personagem

Aos vermes, que devorar-me-ão,
Ofertarei-lhes um cadáver
Já em decomposição,
Bom agrado, mas,
Carne de má qualidade.
Aos humanos, que
Devoraram-me em vida,
O prato era bem posto,
Farta refeição
Para ser degustada
Por talheres de prata.
Fui um belo modelo de beleza,
Cortejada pelas inúmeras esquinas...
Aplaudida nas encruzilhadas...
Suplicada nos cabarés de uma Paris apagada.
Na cena fui
Rainha para uns,
Meretriz para tantos,
Donzela para poucos,
Bruxa aos olhos da inquisição.
E para ti?
Fui tão somente a lágrima
Cortante tal como a navalha
Em minha dor.
No fechar das cortinas,
No enterrar da urna,
Por favor, não chorem,
Pois na lápide lerão:
Jaz aqui, uma poeta maldita,

BM



No papel


Ao sair de casa
Fitei os olhos de minha filha
Eles me pediam algo,
Mas nenhum som era
Emitido de seus lábios,
Tomei-a nos braços
E a beijei, como fosse
Aquela a última vez.
Não contente
Ela me pedira colo
Arranhando com força
Minhas pernas já cansadas.
Meu guri esperava quieto
Pelo teu beijo,
Com um gesto delicado,
Amparei aquele pequeno
Queixo nas mãos calejadas
E toquei meus lábios na tez.
Também ele, nada o fizera,
Os olhos de ambos choravam,
Um pranto mudo...
Um protesto sem bandeiras nem cartazes.
Mas caro amigo,
Não falarei mais de meus dissabores,
Nem de minhas dores,
Tomaria laudas diversas
Frente e verso,
Talvez compusesse um livro
De apelos,
Não o farei,
Apenas,
Voltarei para casa...
Minha inimiga me aguarda,
No quarto ao lado.

BM

05 março, 2007



Parto

São trinta e oito semanas
Ou nove meses,
Como quiserem rotular
O fim de uma gestação...
Sim, a vida dele está formada,
Lembro-me de cada detalhe
De nossa gravidez...
De como este broto fora
Concebido...
Das escolhas lexicais,
Das poesias trocadas,
Poesia com poesia se paga...
São palavras tuas, meu bem, lembra-te?
Lembro de nossa tríade inicial,
“Por três noites clamei teu santo nome”
Hoje, por mais que não queiramos somos três,
Encarnados,
Vivos,
Intensos,
Até talvez, arranhados,
Taças trincadas pelo descuido.
O primeiro fio de cabelo branco
Que furtei de tua responsabilidade
Carrego desde então em minhas entranhas.
O beijo roubado entre as poltronas
Desconfortáveis de um cinema.
O dia em que nos amamos ardentemente
Nas almofadas laranja de um sofá
Sem traças...
Fora feito nossa prole,
Nosso precioso rebento,
Agora, desnuda eu de meus artefatos
Sem kajal nem batom,
Parindo algo que sobreviveu às últimas semanas
Berrando por ti em meu ventre...
Nos braços de uma mulher...
Que estendia, luzindo, o nosso sonho.

BM


Profecia

Os fantasmas sobrevoam
Meus cabelos queimados pelo sol
Tal como corvos, anunciando o
Mais soturno de meus dias.
Tu te foste sem ao menos
Um aceno,
Minha paz, fora em tua bolsa,
Dentro de tua carteira – meu sorriso.
Petrificados em teu colo, ficaram meus olhos.
Desespero de minha calmaria...
Temporal de minhas manhãs ensolaradas,
Eu amo tuas falhas...
Teus erros mais corriqueiros.
Quero deitar contigo em urna marfim
E seguir à única certeza terrena – a morte.
Quero sangrar ao te fazer chorar,
Desejo a punição para os meus membros,
Que sejam pisoteados um a um,
Na guerra do fim dos tempos.
Oferto meu pescoço à guilhotina...
Minhas costas, ao barão, para que
Chicotei meu dorso até
O corpo inteiro ficar coberto de sangue.
Quero teu grito, teu chamado,
Pois minha língua fora decepada pelos
Nazistas quando declarei que amava...
Sou culpada, tal como uma peçonhenta,
Sigo arrastada ao júri...
De lá, viva não sairei
Pois temo a repressão de teus
Olhos míopes e présbitos.

BM


Por favor


Empresta-me teu peso
Para eu sentir o que suporta
Tuas costas.
Estas mãos, para que eu veja
O que é ter as marcas das chibatas.
A voz, para que eu saiba
O que é calar.
Teus ouvidos, para que eu ouça
Tudo o que te agredi.
Tuas pernas, quero sentir
O cansaço dos anos em teus joelhos
Já adoecidos.
Tuas lágrimas, para eu saber
O quão doloroso é teu pranto.
Teu coração proláptico
Para que eu tenha uma taquiarritmia.
Roubar-te-ei os punhos
Para morrer em teu lugar.


BM


Apelo

Dei a ti o mais sublime
De minh’alma – aqueles
Versos que compõe
Ora riso, ora pranto.
Versos tortos, se fosse
Poeta saberia versejar,
Mas nem rimas perfeitas
Consigo eu dominar.
Quisera cometer odes para ti,
Minha donzela,
Uma métrica alexandrina...
“Sou poeta menor, perdoai”...
Fá-la-ia sonetos mil
Se tivesse inspiração,
Sentar-te-ia no trono
De que és merecedora,
Em um castelo medieval
Que construiria com meu suor...
Mas não sou mucama,
Nem tampouco Álvaro de Campos,
Sou simplesmente
Sua reles amante!

BM


Marcada

Por ti, trago na epiderme
Alguns estigmas,
Símbolos de dor?
Marcas feitas por amor.
Nos flancos que são teus
Desenhei a flor que te é predileta.
Neste ventre, assaz venerado
Pulsa um coração iluminado
Tendo como punhal – uma rosa.
Minha flor tirana,
Minha dor existencial,
Meu mal necessário,
Página de meu destino,
Tu me és vital.

BM

24 fevereiro, 2007




Caso Perdido


Um copo de uísque

Algumas pedras de gelo

Um cinzeiro a abraçar-me

Acolhendo com sua quentura

Meu frio terminal.

Mas, ao mundo, esta vida

Não passou de um mar de rosas,

Escolhas fáceis,

Os mares repletos de pétalas

Vermelhas, como as unhas que

Já não quero mais.

Maquiagens de fim de semana,

Que secam, envelhecendo o rosto

Na velocidade de uma luz queimada......

Que não acende mais.

Olhos que há muito deixaram de brunir,

Luzir, falar....emudeceram

São meros observadores das ondas que quebram

Numa areia de conchas a me furarem os pés

Que já não andam mais

As lágrimas que bebo,

Secam-me a glote, e já não falo mais.....

Já faz tempo........que não acordo mais......


BM

04 fevereiro, 2007


Nossas Noites
Nossos Dias

Não!
Não hei de culpá-la
Pelos dias inteiros que me deixas
À deriva, quase um barco a naufragar...
Sem notícias, sem acenos, sem sequer
Uma garrafa atirada ao mar.
Não condenarei teu sono,
Se te refugias durante os dias
Entre tuas plumas, e te acordas à noite
Para vagar largando lânguida, prostrada
Pelos benzodiazepínicos e tuas canções de ninar
Na cama de nós duas, a minha carcaça.
Ou te comprometes a velar pelo meu sono,
Passando noites acordada ao lado meu.
Lerei para ti, como acalanto, alguma poesia
Do Drummond, enquanto ressonas, e talvez
Em tuas fugas, rogue pela presença de meu corpo
Em vigília ao sono teu.
Não sou cantora,
E nem tenho tua voz suave,
Não sei contar histórias,
E nem tenho tua imaginação fantástica,
Não posso julgá-la,
Nem medir o tamanho de tua dor,
Se também sinto algo ancestral a
Corroer-me as vísceras.
Dar-te-ei meu regaço,
Para que apóies tuas melenas lindas
E se perca do mundo que existe
Fora de nossa alcova!

BM

31 janeiro, 2007


Amantes

Doaria meus órgãos,
Membros, cabelos,
Unhas, para ser mais...
Daria meu corpo, pois a alma já virou pó,
Para não ter hora marcada,
Para ter num porta-retratos nossos
Sorrisos, lado a lado,
Mesmo que escondessem um pranto ancestral.
Para que não desviasses de mim
Teu olhar como se não rolássemos
Na cama,
Ou numa esteira,
Até mesmo nos sofás da sala.
Queria nos dedos, uns anéis,
Sem cerimônia,
Sem véu, sem branco...
Sem bênção...
Pois está é minha maldição,
Ser a outra!
BM

30 janeiro, 2007



Hemorragia

É, de fato, tivera eu uma hemorragia,
Talvez o aborto de nosso filho
Não concebido,
Ou de um amor em botão, recém nascido.
O som de minha voz áspera,
Em total desarmonia fonética
Impedia o entendimento de meus clamores,
Tantos pedidos de socorro,
Por vezes fui súplice em gritos afônicos
Mas, eras incapaz de perceber...
Nesta noite, varava pelas entranhas
O sangue já vinho,
Manchando os lençóis que eram
Trocados a cada semana,
E de meus olhos, escorriam lágrimas rubras
Colorando-me o pescoço,
Aquele cordão
Em ouro, de pouco quilate, assim como
Esta que vos escreve.
De minhas cicatrizes, as gotículas orvalhavam
Como se fossem rosas primaveris
Lavadas e em carne viva.
Porém, se soubesse eu versejar,
Escrever-te-ia um poema,
Como não sou poeta
Só posso lastimar em escorrência
Não ser capaz de trazer os tempos
Ensolarados...
E de volta estaria aos braços teus!

BM

17 janeiro, 2007



Saudade de Amar


Ressonava, terna, leve como as plumas
De faisões angelicais.
Naquele sofá de nós duas...
Deitava-me a cabeça no lado oposto
Ao que amparara teu corpo,
Adormecia na calmaria das almofadas
Abóboras, tais como a que transportara
Outrora, Cinderela, no meu conto, sem fadas.
Sou acometida por um salto,
E de espinha erguida,
Arrancada a unhadas de um sonho
Tão mágico.
Fazia amor contigo, contigo....
Beijava-te tranqüilamente a carne alva,
A pele polvilhada pelo que tenho apreço,
Dançava, unindo meu corpo ao teu,
Roçava,
Mexia,
Meus flancos agarrados entre as pernas tuas,
Ou dominados pelas tuas garras,
Que eram tão minhas naquele instante.
Amamo-nos até a exaustão!
Despertei,
Louca,
Insana,
Morta de cansaço.
E um cio me atirou às paredes, na falta tua
Lágrimas nas pestanas.
Amar-te....O....Belo...amada....
Bálsamo...Aguardo....Regresso....


BM

14 janeiro, 2007


Memórias


Naquele tempo,
Eu, menina peralta,
Saltava por entre pedras,
Tão miúdas,
Ideal à altura de minhas pernas,
E ínfimas diante do mar
Que se avistava.
Os calendários sendo trocados
A cada dia primeiro,
Traziam-me as marcas da idade,
Mostrando cruelmente
Que meu cobertor,
Já não mais me cobria os pés.
E naquele mar de sempre,
Apenas o tempo, atual,
A mulher senta,
Espia as ondas,
Atira uma rosa
Em saudação.
E não mais dança a sua meninice
No meio daquelas pedras escorregadias,
Se foi o encanto angelical,
A esperança infantil,
Ou a mazela da idade a limita?
Completamente impedida
De atos tão naturais...
Risco um fósforo...
Entre os dedos,
Hoje, de unhas longas,
Apenas uma cigarrilha,
Na areia o papel,
Nos cabelos a caneta,
E tudo aquilo,
Simplesmente meu cenário.

BM


Anseios Temporais


Mas eu ainda estava viva
E meu clamor ardente
Lavando de lágrimas
Um rosto que há pouco
Sorria em uma expressão tão
Singela de felicidade.
Vejo minhas alegrias abortadas
Antes de o poeta declamar
A última estrofe de minha vida.
Fazendo do final um mistério tenebroso.
Fico a esmo vagando nesta cidade
Que velozmente me afasta
Arrasta-me
Atira-me nos braços da solidão.
Agora nada me resta
Além da claridade
Reluzindo ao final
De uma porta que ainda
Vejo entreaberta.
Mas meus olhos já cerrados
Lágrimas nas pálpebras
Mantém meu corpo inato,
Fico sentada na curva da vida.
Vivo os dias rogando
Pelas noites,
E quando as vejo, me afugento
No canto escuro daquela sala de estar.
A dor me é pungente,
Companheira noturna,
Chega ao cair da tarde
E com ela divido meu travesseiro.
Lamento pelo fim que antecedeu
A chegada da felicidade
Olho aquele porta-retratos,
Que beleza singular,
Beijo-te os olhos,
A boca,
E tu sequer reages,
Sinto-te morta,
Seca como uma folha caída
Que o vento traz até os pés
Acorrentados,
Amarrados,
Atrofiados.
E eu, sozinha, sentada na soleira,
Espero pelo suspiro final.


BM

Sentimento Funesto

De repente sinto soprar
Em minha face
A brisa gélida da indiferença.
Meus punhos presos
Como se algemas tivessem
Detendo-me as mãos.
Impedindo qualquer gesto de defesa,
Estava à mercê de uma crueldade mordaz
Que atirava ao chão em um ímpeto atroz
Todo o meu castelo de quimeras.
A dor me varava os pulmões
Como uma viga em brasas
Que atinge a alma lentamente
Sem dó nem piedade,
E o sangue a jorrar pelas minhas costas
Retorcidas pelas dores de um parto prematuro,
Mãe de um desejo insensato,
E demasiadamente descabido.
Iludida por um amor tirano,
Uma perversa ternura que amenizava
O pavor com momentos ínfimos de calmaria.
Doce ilusão, a dor subitamente
Fazia-se voraz como uma flecha
Que ultrapassa os galhos de árvores
E estoca no dorso de um sabiá.
Ainda assim, vagava a esmo
Pelos caminhos tortuosos
Que me levariam
Quem sabe de volta à sensatez
Da qual um dia fui dona.
Abandonada,
Perdida,
Por entre os jazigos de um paraíso funesto,
Esbarrando o corpo lavado de sangue
Nos túmulos, aguçando os defuntos
Que desejavam minhas vísceras
Tal como canibais famintos
De uma morbidade assustadora.
E meu corpo já cadavérico
Padecendo por entre as lápides
Rogava num suspiro único:
Volte para mim
E devolva-me a vida roubada.

BM

Sina

Padeço
Neste recanto sublime.
Quarto, onde despejo todas
As amarguras que me são pungentes.
Do amor,
Ciência tenho,
De que não sou merecedora.
Apenas a dor que este rosto
Ingrato
Sorrindo-me na fotografia
Tem a oferecer.
Os passos, já confusos,
Não guiam mais o corpo
À serenidade.
Foi-me, pelos dedos escorrida
Toda a vida declamada
Pelo meu fiel rapsodo...
Que trazia aos montes,
Em seus braços
A poética perfeita de meus versos.
E eu, não os recitava,
Apenas os compunha,
E logo, tão logo, os abandonava,
Quando a dor afastava-se pendularmente,
A poesia era a morte de minhas lágrimas.
E o meu corpo,
Ah, vilmente desejado,
Nasceu para ser exposto
Em uma vitrine,
A fim do apreço, da beleza jovial,
Que meus traços possuem,
Ou, para ser deitado, e devorado,
Por uma fera no cio,
Que ao final do dia,
Chama-me de cria.
Não é mérito meu
O que narram os românticos,
Talvez, sina minha seja,
A moléstia de tuas vidas.


BM

Bandido Banido


A vida fervilha-me o sangue,
Até que as borbulhas jorrem em minha face
Todo o desespero contido
Nesta alma que por ti
Começara a viver.
Sem medos, sem receios,
Sem clamar aos santos
Um pedido de afago
Atirei-me naqueles braços ternos,
Ouvi aquele som brando
Tal qual os pássaros em uma manhã ensolarada
A afagar-me os malogros
De uma vida denegrida
Em vis tentativas de ser feliz.
Mas a busca cessou bruscamente
Sem que eu esperasse,
Estava na esquina
Olhando a vida ao som funesto
De uma sinfonia
Que me embalava os dias
E me acalentava nas noites frias – minha fiel escudeira!
Abandonei-a, dando espaço à calmaria de teus olhos,
À ternura de tuas promessas tão vorazes.
Fui feliz no momento em que senti
Teus lábios quentes tocarem a minha testa,
Em um ato singelo de afeto
Que oprimia a avidez de tocar-me a pele.
Nosso encontro, nossos afagos,
Juras tão secretas.
Libertina, fui até o fim, em
Desejos carnais, vontade de respirar o ar que era teu.
Mas o suspiro derradeiro chegou à véspera,
Na véspera de um sorriso,
Antecedendo os olhos que iriam brilhar,
As mãos que se entrelaçariam,
Corpos se fundiriam.
Tão infantil, tão prematuro,
E já precocemente assassinado
Foi o meu sentimento bandido.
E a busca agora é pelas lágrimas que perdi
No caminho que me levou à tua vida.
Perdi os farrapos dos meus sonhos
Que hoje se fazem desnudos.
E agora nua, sigo meu trajeto incerto,
Vivo os meus dias intermináveis
E rogo pela morte do tempo
Que não cumpre a tua parte.
Ainda espero pela absolvição
De um crime que não cometi.
Que pecado! Este riacho que
Transborda nos olhos do esquecimento.
Ah sentimento indesejado,
Bandido,
Banido,
Criatura que me sugou o sangue,
E a última gota na taça,
Beberemos juntas!

BM


A tua procura

Estas lágrimas que escorrem
Feito uma correnteza íngreme
Em minha face,
Embaçando as lentes arranhadas de meus óculos
São como ácido que corrói
Lentamente as maças do rosto,
Hoje, já envelhecido.
As horas velozmente
Extirpam-me de nossa vida.
E a busca segue incansável
Por um pouco de calma.
Desassossegada, eu cambaleio trôpega
Todos os cômodos desta casa,
Os pés marcados pelo pó,
Que os cupins deixavam nos móveis,
Há tempos não espanados.
Nossa casa,
E, no entanto, não acho
Sequer as suas vestimentas,
Aquelas, que dei a ti,
No ato mais solene de nossa saudade,
Saldei-te,
Pus-te no altar, tal como uma santa,
Venerei por séculos atitudes tão simplórias.
Corro ao toucador
E caço desatinada as peças,
Não acho aquilo que nas manhãs de sol
Escovava as tuas madeixas tão negras.
Vejo, estagnada diante de mim,
A velhice no espelho.
Grito em meu silêncio soturno,
E acabrunhada,
Em um canto qualquer da sala de visitas,
Falo, quase roufenhando,
Procuro....
Cadê tu?
Que nunca esteve aqui.

BM

03 janeiro, 2007


Fera sem cio

Entregava-me aquele homem
Em cujo corpo reinava uma fera,
Arfada por desejos libidinosos...
Mordiscava-me a pele, as carnes
Como um devorador há muito faminto.
Enquanto eu, apenas uma antítese,
Imbuída numa espécie de amor tirano,
Necessitava daquilo, precisava mostrar a
Minha fera livre do que eu era capaz.
[Não seria melhor terem-na posto
Em jaulas, de grades reforçadas?]
Mas ela estava solta, revolta contigo,
Comigo, com o mundo que a criara.
Sem viço,
Sem libido,
Sem amor,
Sem dor,
Concebia eu, a culpa que carregarei como fardo
Quem sabe por uma vida inteira,
E ao mesmo tempo, o que já
Torna disforme o meu ventre...
Cresce, e sei lá porque tem vontade de vida...
Que viva!
Pois assim, trará sentido à minha!
BM