19 junho, 2006



... criatura do ermo noturno
figura plácida nas noites sem luar,
boneca de porcelana,
enquanto eu,
cera barata,
que qualquer pavio consome.
Súplice,
Pedinte,
Atirada
Aos pés que são teus.
E as mãos que são minhas?
Em um ato desatinado
Embaraçam os cabelos,
Quando imagino o que poderia ser...
E adormeço nos braços de uma paixão...
Bandida.E você, acordada, imagina o porquê?


BM

Mascarada


Enquanto espero que venha,
De pé, espio refletida no espelho, a minha face,
Abatida,
Olheiras que saltam,
Como fossem a maquiagem
Que ainda faria.
O risco nas pálpebras me sai um pouco
Em desalinho,
As mãos trêmulas, esbarram
No pó que esconderia as marcas
De minha idade.
Quebrado,
Eu cato ainda, no chão,
O que posso usar para restituir um rosto.
A boca, não pinto, aguardo que venha,
E na esperança de que tenha
Os lábios seus tocando
Avidamente a secura dos meus, mantenho a boca virgem...
A ti deixo, que a torne rosada,
De um tom bem suave, que o beijo roubaria.
Ali, tão maravilhosamente entristecida,
Acompanha-me o copo,
De bordas finas, e rachadas.
No seu fundo, as marcas feitas pelas
Piteiras das cigarrilhas baratas,
Apagadas no seu interior.
Mascarada,
Oculta,
Omissa ainda
Estou!
Mas não por muito tempo,
Apenas, até a hora de sua chegada.




BM

Somente

Sem cobranças,
Sem anseios,
Sem o amanhã.
Me tenha,
Me cative,
Me aprisione
Em teus braços,
Uma noite dessas,
Esbarre nesta carcaça que tanto te instiga,
Mas não peça perdão...
Apenas me hipnotize
Com a chama a reluzir
Nesses olhos que são só teus...
Luz que te batizou!
Cale o que te sobe a garganta,
E não me ofenda,
Beba os desacatos
Aos goles, junto dos beijos meus,
Quando freneticamente a língua
Percorreria sua nuca,
Desbravando o que por horas
Apreciei sob a opulência de suas vestes,
A alvura de sua pele,
Reagindo ao toque suave de minhas mãos,
Que te apertariam numa busca alucinada
De te consumir a carne.
Minta para mim,
Me chame tua.
Me ponha nua,
Na escuridão de um canto qualquer
À luz fosca de uma lamparina,
Onde luzirá...
Apenas a maciez de suas madeixas negras,
Que eu tocaria com ternura,
E no seu colo adormeceria...
Mas, não me diga nada,
Me ame apenas,
E tão somente, desnorteada,
Até diria: unicamente!
BM

Rainha de Copas


Não é um conto de fadas.
Acorda Alice,
Desperte deste ressonar poético
E sublime,
Tão providencial.
Levante, Alice,
O corpo que estirado nas tábuas corridas
Era de uma exaustão
Exacerbadamente celestial.
Mas, Alice, necessito-te agora,
Minha ânsia em tirar-te a vida
Fora tão somente para não
Contemplar o lindo sorriso de dor
Irradiado nesta fenda que tens à face,
Pálida,
De um alvo mais que a neve.
Abra lentamente as pálpebras cerradas,
E olhe para mim,
Estes olhos infantis, deficientes, são
A expressão mais singela que
Os dias me ofertam cada manhã
Saltada da cama ao som do galo maldito.
Preciso-te acordada,
Levante, Alice,
Estou aqui, do lado oposto ao espelho,
E não a vejo,
Sim, apenas a Rainha de Copas
É refletida naquela placa imensa
De moldura em ouro e marfim.
Alice,
Não sou fada,
Nem tampouco cruel,
Quero há muito deslizar as garras vermelhas
Nas maças, aquelas,
De teu rosto
Róseo tão prematuro.
E de leve, cautelosamente
Percorrer
O decote que se regala
Num vicioso regaço
Fazendo-me a alma adormecer
Serena e descansar ao som de
Uma canção de ninar.
Retorno ao colo, é de tamanha beleza,
Que fico horas a fio, hipnotizada,
Estática, olhando-te
Não me penalizes por este feito,
Doce Alice...
Os dias já me têm ofertado fortuitas penalidades.
Sou peçonhenta apenas ao que te é aflitivo
Alice, não fique às avessas,
Ponhas-te de frente,
A esta soberana
Que uiva,
Clama,
Roga por teu exílio
Nestes braços meus.
Alice, venha apenas,
Mas venha assim,
Largada,
Abandonada,
Adoecida,
Cuido-te os ferimentos,
Cicatrizo-te a derme,
E a língua, toco a córnea,
Deslizando úmida e em brasa
Sugando as lágrimas que correm
Pelas maças suculentas.
Prometo, Alice,
Beber teu sofrimento aos goles.

BM








Delirium tremens


No início, apenas um bloco,
Parafina.
Dias depois, o som ensurdecedor,
Das letras grafadas naquele envelope
Ainda lacrado, levava-me ao mais sublime pânico.
Era somente um resultado - final, atestado, óbito?
Corroendo a mucosa adoecida,
Córion hemorrágico,
Atrofia dos tecidos, por tempos saudáveis.
Positividade na busca do prazer,
De encontro aos estímulos que traziam a satisfação.
Ao negativo, exponho a dor do
Desvario alcançado por não tê-la.
Demente,
Alucinada,
Encantadoramente delirante.
Naquela mesa de bar,
Sofá de sala,
Ou até mesmo, sentada
Numa encruzilhada qualquer
Consumindo, consumida
O consumado!
Doses maiores mantém
A embriaguez perpetuada,
E eu, perfeitamente tolerante.
Minha dependência é simultânea
Ao grau de resistência.
Até quando olharei sem tocar,
Como suportar a falta do que nunca possui?
Sentir a ausência do que nunca sorvi?
Por que as reações em um corpo,
Por ti nunca tocado.
Eriçar os pêlos quando imagino
A insônia ao lado teu.
Como recuar à abstinência tua?
Se já cheguei à metade do caminho.
E agora, é sombrio e assustador o regresso...

BM




Fédon


Começo pelo fim,
No fechar das cortinas,
Sem aplausos,
Vaias,
Nem rosas.
Sem gritos,
Afagos,
Nem suplícios.
Não pediram,
Nem rogaram
Pelo regresso
Daquela que não
Foi artista de palco.
Ao final estou,
Ainda tentando...
Com cicuta fora de validade,
Expirou,
Meu suspiro, e era único...
Mas não desisto,
Nunca,
Preciso um pouco,
Só um pouco da falta de vida.
De sentir a ausência do ar,
Os pulmões vazios,
Ou ainda, apenas
Enfumaçados...
Esbranquiçado
O músculo vital,
Murcho...
De um caixão marfim,
Com pequenas placas em ouro adornando as laterais,
Rubis ao centro destas,
E apenas uma inicial na parte que ao se fechar
A vida estaria me levando.
Ou tão somente de ripas finas
Que os pregos uniriam
E meu cadáver seria velado,
Pele fina e sem rugas
Pois o formol ajudaria a esticá-la...
Quero uma camada fina de pó,
E nos olhos, o kajal pode ser
Do camelô da esquina.
As flores,
Estas podes buscar no
Quintal do vizinho,
Ou naquela floricultura que
Entregava sempre a cada último
Dia do ano, os carmins em minha porta,
Mas, só até abaixo do seio,
Não quero sufocar,
Não quero sucumbir.
Quero tão somente
Em minha lápide
Uma citação enfática:
Se foi,
Por conta própria.

BM

Juras

Em três noites escuras busquei por ti,
Clamei seu santo nome sussurrando
Envolta às almofadas puídas de minha
Cama pueril.
Roguei súplice, pedinte, a presença
Tão cobiçada de tua alma, ainda que sonolenta.
Prometeria acalantos, cantaria para ti adormeceres,
Meus afagos seriam serenos,
E não necessitarias de diazepínicos
Para insônia
Que cessaria no afago de teus cabelos.
Dócil, quase oculta,
Deslizaria eu os dedos em tuas melenas escuras
E não procuraria os vestígios dos fantasmas
Em teu travesseiro, que custara alguns gansos sem vida,
Nem tampouco o traço inegável e bárbaro dos calendários trocados
Que traziam vagarosamente ao castanho de teus fios um tom alvo.
Pois incomodavam deveras a vaidade tão perene.
Jamais tocaria neles novamente,
Ou se quisesses, extirparia o que aflige,
E seríamos duas crianças de inocência pagã.
Não teríamos despertadores,
Nem sequer criado-mudo para sustentar objetos
Dos quais não necessitaríamos.
Não ouviria tão distante
A voz que é tua, por um fio seco ao ouvido,
Recitarias para mim, o mais belo de tuas liras
Rabiscado em papiros com penas de pavão.
Juraria a ti, tão somente minha vida,
Secreta e de pouca valia.
Nada mais tenho a ofertar
Do que um corpo unido ao teu
No mais onírico de minha realidade.
Nas mais gélidas noites soturnas,
Quando ainda não batessem à porta,
Eu juraria estar teu repouso junto ao seio meu!
BM