24 maio, 2007


Personagem

Aos vermes, que devorar-me-ão,
Ofertarei-lhes um cadáver
Já em decomposição,
Bom agrado, mas,
Carne de má qualidade.
Aos humanos, que
Devoraram-me em vida,
O prato era bem posto,
Farta refeição
Para ser degustada
Por talheres de prata.
Fui um belo modelo de beleza,
Cortejada pelas inúmeras esquinas...
Aplaudida nas encruzilhadas...
Suplicada nos cabarés de uma Paris apagada.
Na cena fui
Rainha para uns,
Meretriz para tantos,
Donzela para poucos,
Bruxa aos olhos da inquisição.
E para ti?
Fui tão somente a lágrima
Cortante tal como a navalha
Em minha dor.
No fechar das cortinas,
No enterrar da urna,
Por favor, não chorem,
Pois na lápide lerão:
Jaz aqui, uma poeta maldita,

BM



No papel


Ao sair de casa
Fitei os olhos de minha filha
Eles me pediam algo,
Mas nenhum som era
Emitido de seus lábios,
Tomei-a nos braços
E a beijei, como fosse
Aquela a última vez.
Não contente
Ela me pedira colo
Arranhando com força
Minhas pernas já cansadas.
Meu guri esperava quieto
Pelo teu beijo,
Com um gesto delicado,
Amparei aquele pequeno
Queixo nas mãos calejadas
E toquei meus lábios na tez.
Também ele, nada o fizera,
Os olhos de ambos choravam,
Um pranto mudo...
Um protesto sem bandeiras nem cartazes.
Mas caro amigo,
Não falarei mais de meus dissabores,
Nem de minhas dores,
Tomaria laudas diversas
Frente e verso,
Talvez compusesse um livro
De apelos,
Não o farei,
Apenas,
Voltarei para casa...
Minha inimiga me aguarda,
No quarto ao lado.

BM