12 maio, 2008



Proêmio – Diálogo

- Meu pai perguntou por você quando fomos à soverteria. (diz ela)
- (Sorrindo) Ah, ele não poderia esquecer. (respondo)
- E a sua mãe, perguntou? (retruco)
- (Silêncio, olhos marejados) Não, minha mãe não perguntou. (roufenha ela)
- (Mudança de assunto)
- Levanto e vou apanhar algo para beber. (Choro)

Fidedigna Dama

À memória de JUAREZITA DE SCHUELER
(Filha Dedicada, Mulher Célebre, Dama Marital, Mãe Perfeita e...AMIGA de mãos e colo receptivos... absurdamente Intelectual).

Cheguei tarde à vida tua...
Nos anos que seriam últimos.
Não! Cheguei cedo, melhor, na hora exata,
Tu estavas tão bela naquele dia
De uma beleza sublime, celestial – digna de uma nobre Rainha.
Recostada à cabeceira de tua cama,
Era a primeira vez que eu sentara aos pés dela.
Ouvia-te, deveras sedenta do que havia a me dizer – ensinar.
Tua alcova era de um requinte à altura
Daquela que parecia uma Dama Medieval,
Em cujas madeixas louras (como eram lindos os teus cabelos – ainda que não penteados)
Pele alva, mostrara a celebridade das antigas figuras que ilustravam a Literatura.
Mas tu não eras personagem,
Foste filha, esposa, mãe e não obstante
Progenitora de frutos bem criados.
Companheira de um homem simplesmente feliz;
E amiga de tantos, que contigo muitas coisas viveram,
Tantas outras aprenderam.
Por horas a fio a escutavam, incansavelmente.
Saiba que me falta uma pena de ganso,
E o tinteiro da Margarida Goutier
Para rabiscar algumas, que verdadeiramente
Deveriam ser todas, jamais tolas
Laudas que compunhariam um livro
Sobre as poucas e preciosas tardes, manhãs, noites
Em que trocávamos palavras;
Hoje, resta-me de ti apenas uma carta,
Esta, que já na época me arrancara lágrimas,
Agarro-me a ela para sentir
Em um plano qualquer a suavidade
Das mãos que escrevera...
A isto, defino – Saudade!
Flor ululante nas areias de uma Icaraí
Que jamais será a mesma;
Foi-se contigo um fragmento de mim...
Descanse na paz da qual és merecedora.

BM





Sobre – vivente

Cegaste-me a boca
Calaste-me os olhos,
Rasgaste a Luz que
No ventre trazia
Para que adentraste
Perfeita jóia rara
Paixão sombria
Cujas pupilas fulminou;
Só em ti, apenas por ti
Ainda pulsa este
Coração que abandonou
A vagabundagem na
Esquina de tua rua...
Algemaste minhas artérias
Aos punhos teus...
Ando Alice no país da
Fantasia, completamente
Arrastada por este amor...
Latente – em nossa cama ardente.
Sou sobrevivente tua.

BM


Descaso

Só faltara o altar
De resto, o límpido
Marmóreo de teus
Dentes reluziam no
Piso há muito não varrido.
Tu, que de mim te esquivas
Pelas frestas do nosso barraco
De palhas secas...
Eu, que a ti busco incansavelmente
Tal como os idólatras lastimáveis
De um romantismo há tanto
Extirpado...
Mas em minhas veias ainda
Corre sangue de nobre rapsodo
Ou de uma fajuta plebéia;
Agora, meu amor, a tinta secara
E tudo brilha como os olhos teus...
Porém, ainda resta o altar.

BM

Rastro

Olho o azul celeste daquele
Cinzeiro que tu seguraste
Durante todo o tempo em
Que estiveste ao lado meu...
Passo a mão nos adornos,
Meus olhos míopes só
Contemplam três baganas
Deixadas por ti
Antes de ir em má hora...
Foste, fiquei ... tormento.
Teu pijama sobre meus lençóis
Cujo olor de nosso desejo ainda
Permanecia...
Amor, cheiros...
Meu gozo, teu êxtase.
Agora, o que tenho eu?
Além da nicotina queimada
Que me sobe às narinas
Sem permissão...
As cinzas abraçam meu
Corpo – insone.
O que ontem era brasa
Hoje é somente o rastro teu...

BM



Poema Histórico

Estou preenchida pelo que
Não possuo;
Nesta mesa de um mármore já envelhecido
Meu rosto não reflete - é homônimo.
Nos lábios, meus caros, trago
Sal, não o do mar de Copacabana,
Mas os das salinas quase que
Cristalinas.
Não me beijes, deves proteger-te
Do veneno que a Cleópatra me
Deixara com herança.
Não me olhes, machucar-te-íam
As chispas que fulguram de
Minhas pupilas.
Jamais me ames;
Sou a víbora
Que levara a vida
Da Rainha do Egito.

BM