25 setembro, 2008




Sim, é para ti

Os cabelos ainda são
Aqueles na cor e comprimento
De que gostavas.
As unhas estão manicuradas
Ao teu apreço.
Camisolas e quimonos
Na cor rosa...
A princesa, lembras?
Ainda sonha teu príncipe
Encantado, sentada na
Varanda...
Não te furtes...
Fizeste-me mulher,
Dama,
Meretriz ao teu prazer.
Entreguei a alma.
Lá ainda resta a nossa cama.
Sem arrependimentos...
Fui, não obstante, tua amiga
Zelosa, dócil, querida...
Quando mazelas, teu
Corpo sofria, fui eu a tua mãe...
Era comigo que dormias...
E a mim que deixaste
Ainda com o amor nos versos.

BM



Autoimune

Receio estar sendo acometida
Por uma loucura atroz.
O sangue que corre dos meus
Braços alivia a dor na minh’alma...
Algo inexplicável aos estranhos – todos são estranhos.
Mas comum ao meu corpo...
A navalha desliza na carne
Como a pena no papel...
Sem a menor sensibilidade
Lavo o tapete branco da
Alcova com o vermelho
Do que punge;
Maltrata...
As cartelas dos opiáceos
Sobre o criado-mudo
Estão vazias,
Enquanto a mente dopada,
Entregue...
Pronta para o fim
Pois a vida explica
Mas só a morte ensina.


BM.



Perseguição

Dizem que uma casa tem
Quatro cantos...
Louca alucinada percorro os
Caminhos trilhas pegadas
Que minha memória senil
Ainda guarda...
Cambaleio tropeço em destroços
Do real, me afogo no anonimato;
Como pude perder-te?
E sequer ter nenhuma lembrança tua...
Grito urro molestada uivo baixinho...
Chamo por ti.
Onde? Cadê?
Farto-me e exausta deixo que o
Corpo despenque no abismo
Do cansaço;
Não caçarei mais...
Nasci sob signo não guerreiro...
Calo-me abstenho
Paraliso mármore.

BM


(Re) Petição

Venha, quero tudo de volta
Mato-me
Morro-me corro escorrego...
Retorno derrapo no sangue
De meus cortes tão precisos...
Choro debruçada no passado
Lamento deitada no novo...
Quero o pretérito, tudo igual
Repetir reviver...
Não, quero renascer da cinza
A que me resumiste...
Sumiste... quero estar em
Ambiente seguro, sim, agora
Tenho colo, estou calma, só
Não me cantes “dis-mois comment”..
Não disfarço, me armo, quero
Estar entre balas, fuzis, canhões...
Subir num só pé à Rocinha
E lá, quem sabe, ter minha
Tão esperada – morte...
Enfim.
BM.


Hino - sentes

Penso qual instrumento
Usaste tu para me atingir...
De forma tão pungente
Com combinações mórficas
Cruelmente ilustres.
Meu leque de feridas escaras
Infeccionaste com mínimos
Furos a prego barato, já enferrujado.
Dor, meus estigmas chagas
Arderam tal como Fauno
Adentrando no inferno mais paradisíaco.
As palavras que eram tuas
O silêncio que me pertencia –
Afônica muda mutilada
De cordas vocais amputadas
Emudeci...
E na chaga – a mais bela e importante delas
Estancaste tu a vela bastimal.


BM.


- atados -

Há entre nós
Um hiato, foi o que absorvi tanto
Alcustando teus órgãos
Estas palavras...
Existe amor entre nós,
Um corpo marcado;
Um eu-lírico desenhado,
Ainda um filho me deste...
Malcriado e naturalista;
Formado em letras com
Mestrado em “Filologia Ursônica”.
Existem bestagens entre nós,
Uma banheira transbordada
De espumas....e
Já era tua escova...
Existe dança em nossos corpos,
Arrumavas-te, me tiravas o pijama,
Fazia maquiar-me e íamos...
À sala bailar...
E o hiato que nos separa
Transformou-se em ditongo,
Bebi o sangue que corria
De tuas entranhas;
Puseste o meu no cálice
E mataste toda a sede...
Desenhamos nossas iniciais
Nos membros inferiores...
Existe, agora, em nós,
Dois seres retardados
Por não terem pudor
De viver...


BM


Real - idade


Era tudo muito confuso
Os cenários se misturavam
E percorríamos espaços dantes
Nunca visitados.
Só tinha eu uma súbita
Surpreendente reveladora
Certeza – eras minha
E me atacara de forma
Inesperada...
Aceitei feito cordeiro o convite
Da rainha de Atenas...
Deusa do Olimpo
Realeza egípcia...
Dei a ti meu mundo
Quando juntos corríamos
Às cegas de um mundo proibido.
Eu seria mais uma vez um
Segredo...
Mas queria.
Ao enfim parar de fugir...
Deitamo-nos num motel
Barato... os lençóis gastos
Fizeram-se seda ao receber
Tua pele alva...
As águas gélidas do chuveiro
Tornaram-se brasas na
Fervura de nossos corpos
Ardentes unos
Eu, tão dono de mim...
Rendido aos pés do desconhecido
Sem enxergar horizonte
Em minha retina só luzias
Tu...
Lembro até o marfim
Das cortinas com as quais
Cobri o nu de teu corpo...
Mas tua fome era incessante,
Amávamos-nos incansáveis
Por noites dias séculos milênios
Não havia tempo, não usávamos
Relógios...
Afirmo ter sorrido ao
Final...
Porém a claridade do astro rei
Trouxe-me à cruel realidade.


BM.


Cética

“quanto mais conheço as pessoas, mais amo os animais”
Não farei uso desta oração
Porque odeio frases prontas;
Mas por que a pus no papel?
Por isso já não a estou usando?
Uso, e óbvio. Mas não uso também.
Porem, quem és tu?
Quem é minha mãe?
Quem é meu pai?
Quem são teus pais?
Seriam os teus os meus?
Serias tu minha morada?
Meu inferno?
Minha morada seria o inferno?
Serias tu minha irmã?
Nas escrituras sagradas sim...
Então como posso desejar-te?
Incestuosa, eu?
Serias tu uma deusa?
Só existiram as mitológicas...
Então por que iludir-me como tal?
Elas eram Deusas?
Se são mitos?
Se sou mito?
Se fores mito?
Se fores o errado?
Quem seria o certo?
A que leis devo obedecer?
Se a divindades são lendas...
O Divino seria também...?
Então por que me dizem “vá com Deus”?
Será que ele vem comigo?
Quer estar comigo?
Será que quero estar com ele?
Não meu perguntaram... apenas ordenaram.
Não direi mais uma vez que meu terreno é escorregadio;
Mas já o disse.
Como nego fazendo?
E ainda ouso dizer que não farei...
Estou louca? Onde está escrito
Que devo ser sã?
Por que pensei uma coisa e escrevo outra?
Por que disse sim, por que disse não?
Devo acreditar em ti?
Se a cada dia abre teu guarda-roupas
E as vestimentas me surpreendem...
Por que me surpreendem?
Não sou cética?
Jamais deveria ser surpreendida!
O que e a crença?
Meus amados amantes queridos
O que é o amor afinal?
São cinco da manhã,
É hora de dormir.
Mas quando devo dormir?
Nada sei, apenas que o cerrar
Das pálpebras deveria ser eterno.

BM


Aliança

Ela parada na Presidente Vargas
Surpreende-se com aquele pedinte,
Em sua direção, assalta-la-ía?
Especula assaz assustada
O que seria aquilo?
Qual era a representação?
Eis que o homem estaca
Diante dela – moca, veja isso, encontrei, e
Não tem serventia, acho que lhe caberia no dedo –
E dentro de um papel amassado
Reluz à luz daqueles olhos obscuros
Da dama, um par de alianças
Num ouro de tantos quilates,
Valera certamente mais do
Que a falsa preciosidade
De sua vida – uma pedra filosofal falsificada
De cujo valor não era aquém dos farrapos
Daquele mal nascido maltrapilho
A arrastar seus trapos sem destino
Deixando nas mãos abertas
Da mulher
O símbolo.


BM.