22 junho, 2006


Casamata


A sala um pouco escura
Mas ainda não era noite,
O sol é que nunca viera,
Assim como tu...
E eu estava parada
Inerte,
Em cólera.
Olhando os copos,
Brilhantes, organizados delicadamente
Naquela cristaleira fechada,
Assim como meu corpo.
O licor ocupando
A altura de dois dedos na garrafa
E o ponto máximo em minha embriaguez.
As piteiras de sete dias já expulsavam
As cinzas de meu velho
Amigo e companheiro: o cinzeiro!
Que na minha mesa de centro,
Era único.
Os arabescos do tapete se confundiam
Com as cinzas.
Eu as soprava
E o vento, meu cabelos,
Já grisalhos.
Na mesa, as seis cadeiras
Tão vazias,
Esperavam os filhos
Que não nasceram.
No aparador,
Uma foto sua para ajudar
A memória que já não tenho.
Mas a porta,
Está aberta,
Assim como meus braços....
BM


Meu nu vestido

Estava vestida com o nu
Mais opulento que já existira.
Os cristais a enfeitar
Aquela gargantilha
Que usara em noites plácidas
De um inverno distante.
Atiradas no criado-mudo,
As minhas jóias raras,
Os meus amores secretos.
Trancados naquele baú escarlate
Como o fogo que arde
Nas laudas impressas
De nossas vidas absurdas.
Os cachos das madeixas
A esconderem os seios pequenos
Daquela donzela pintada
Pela promiscuidade dos dias.
A face despida de toda
A maquiagem que a vida
Trazia nos finais de semana.
E ao final de cada
Domingo, estava apenas o nu
Fantástico de um corpo
Ressequido pelo prazer da morte.
Mas eu era fêmea,
E minha voz abafada
Dava som ao silêncio funesto
Daquela madrugada.
E, mais uma vez,
Eu respirava o ópio
Dos meus desejos tiranos.
BM

Negação

Não, não sou sua,
Se foi, assim como o crepúsculo,
Toda a vontade de sofrer.
Sou rosa murcha,
Pranto exíguo.
Fechei minha porta,
Afoguei-me em verdades incômodas,
Para não te ver mais,
Magoada,
Abandonada,
Forçada ao amor,
Destinada à dor.
Não, não ouço mais teu coração
Cada vez que tenho a face
Recostada àqueles seios que ainda
Sinto nas mãos,
É vago,
O silêncio funesto.
Fiquei perdida na vida que era tua,
Sem o espaço meu.
Somente na cama,
Ainda existiam dois travesseiros,
Que nos esperavam apenas para sonhar,
Secretas quimeras!
Mas as alegrias fingidas,
Sustentavam a nossa história não vivida.
Não, não acordei ainda,
Somente sua,
Doente,
Quero padecer sem ar
Quando as lágrimas lastimam
Uma única ausência,
A de minha vida roubada.
BM


Crônica


Este sentimento agudo
Que me vem assim,
Sorrateiramente,
Sem aviso prévio,
Sem pedir licença...
Levanta o pó opaco
E seco daquela mesa
De vidro estilhaçado.
Varre encontros tortos
Das paredes já infiltradas - os cantos.
Onde espremia meu corpo,
Para sentir a umidade nos braços,
Pálidos.
Pareciam alguém,
Sentia-me prisioneira,
E isto, era crônico.
Sentimento febril,
Delirante como os suspiros
Que murmurávamos aos
Ouvidos distantes
Em meio às madrugadas insones.
À luz eclipsada de uma noite
Prematura,
Declamei secretamente
As batidas descompassadas
De um músculo já adoecido,
Insistentemente pulsante...
Àquela que seria a personagem
Tardia em meus atos...falhos,
Sempre tão inválidos.
Abstraio-me, retraída
Na epiderme sanguinolenta,
Oculta pelos trapos
Que vestiam uma covardia,
Perene,
Visceral,
Mas a possuíamos.


BM

Escravo

Ah, esses olhos marejados,
Refletida nas pupilas
Aquela face serena, terna.
Diante de um porta-retratos
Estava letárgico
Inerte
Envolvido.
Minha riqueza,
Tesouro roubado.
Desejos luxuriosos
Saudade de um beijo marcado
Que minha boca sedenta
Implorava
Suplicava
Pedia em desatino.
Lembranças de minhas mãos trêmulas
Quando passeavam
Entre caminhos jamais percorridos
Por qualquer servo.
Curvas tortuosas
Daquele corpo,
Ah, minha perdição.
Sou seu escravo
Quando banido de seus dias
Abstenho-me no negrume
Desta tarde nebulosa.
Os últimos raios escarlates
São lançados, abandonados!
Por um sol que bronzeara
Sua pele durante toda manhã.
E que agora,
Não mais que agora,
O dia era findo,
Estrelas compunham
O cenário de uma noite fulgaz,
E a dama de pedra,
Aparecia-me como em um sonho,
Seus passos em minha direção
Eram danças.
Sua voz,
Melodia,
Música,
Murmurando nomes
Que eram meus naquele instante,
Conceituava-me à sua moda,
Homem.
Animal,
Ladino.
E ela, agredia-me em total opulência.
Era minha,
Dama,
Amada,
Amante!
Ao amanhecer, meu corpo lanhado,
Agonizava de saudade,
Aguçado,
Atirado,
Atiçado,
Mas naquela manhã,
Acanhado em uma realidade humilhante,
Recolho-me no abismo da solidão,
Fugindo mais uma vez
De uma alma
Que era de aço.

BM