07 junho, 2006


Manhã de Mágoa

No cerrar das pálpebras
Olhar ao lado,
Somente um travesseiro. Apenas
A baderna de roupas espalhadas,
Atiradas ao chão,
Mas de uma só pessoa,
Eu
Desisto de amar,
Jogo o lenço,
Chuto o balde,
Deixo de sofrer.
Entrego-me à redenção,
Fazendo-me alheia aos olhos
Ferinos da fera ladina.
Que só espanca,
Escorraça,
Extirpa
Os sonhos tão infantis
De minhas íris há muito
Não luzentes.
Por que a dama não vem?
Se é gélida esta floresta
A qual me atiro,
E desbravo loucamente
Os desejos insensatos,
Insanos,
Castigados.
Se me entreguei,
Por que não se apoderaram
De minhas mãos,
Que de tão frias,
Hoje já não movem mais os dedos?
Por que a mágoa,
Se a hora, ainda era tão matinal?

BM

Oculta
Respiro a ausência tua
Em meus dias soturnos,
Quando imbuída em um desejo ferino
Me dou
Me entrego
Me oferto...
A ti, recostada nos travesseiros,
Como fossem tu.
Amparadas nos braços do sofá,
Toca a boca,
Umedeço com o que ainda me resta da saliva,
Sorvida na noite anterior.
Mas eu te amo,
Amo-te pelas tuas faltas,
Pela espera eterna
De enfim adormecer nos braços
Que são teus ao fim de cada dia.
Amo o que tu não me dizes,
Mas que ouço no silêncio funesto
Dos dias de inverno...
Amo as suas mãos,
Até quando não tem as marcas
Das minhas...
Amo o cheiro que exala
Quando o cio tardio te assalta
Em uma daquelas manhãs sonolentas,
Sacio os teus desejos mais insensatos.
E depois, deitada,
Sozinha, busco o teu corpo...
Ouço ainda os ecos de minha voz
Gritando teu nome...
Amo cada lembrança, como se estivesses agora
O teu corpo pesando sobre o meu.
Amo o sorriso que irradias,
Mesmo quando sinto os dentes
Cravarem-me as costas,
Amo tua vida,
Ainda que me mantenha oculta.
BM


Mulher de Pedra


Mulher a que todos desejavam,
Austera,
Elegante,
Porém ressequida.
Daquelas que nem os goles
Da água mais ardente
Eram capazes de derrocar.
Aquela beleza tênue
Que lhe varava a face
No momento de cada sorriso,
Não a tornava mais terna,
Nem assim a fragilidade a possuía.
Mulher de personalidade,
Será que apenas uma?
Mulher de Pedra,
Verdadeira rocha esculpida
Na forma mais charmosa de vida,
Ainda era mulher.
Por mais que tentasse, era dotada
Do carisma feminino,
Escondido,
Malogrado em suas manhas e entranhas.
Entranhas das quais o azedume
De uma amargura escorriam-lhe.
Daquela mulher,
Ela,
Somente aquele,
Esplêndido ser foi capaz de amar,
Engolfada em seus desejos mais secretos,
Lascivos, era sedutora,
Nem os arrulhos das rolas
Eram melodias,
Comparados aos acentos maviosos
Emitidos pelo som
Mais sutil daquela voz.
Todo aquele esplendor
Um dia em minha cama
Possuiu-me a alma
Arrancou-me gemidos
Sussurros,
Para tão de repente,
Abandonar-me.
E quando as pálpebras entorpecidas
Cerraram lentamente,
O último olhar tão vil
Que reina na pupila adormecida,
Imerso nas horas funestas da noite,
Avistou aquela imagem,
Nem um som ao meu grito,
Sequer um aceno ou um gesto,
Nada emitia,
Apenas o sangue que varava de meu corpo
Manchava os lençóis.
Aquela dama parecia apreciar o espetáculo
Como alguém que contempla
O pôr do sol,
Sabendo que perderia a luz do dia
Mas o negrume noturno acalmaria
Sua dor mais atroz.


BM
Plágio de uma Memória

Ando, sigo em busca
Olho, me interesso,
Tentativas,
Minha maquiagem é bem feita
Produção atraente.
Mulher bela,
Carta difícil,
Busco amor, tão simples.
Sozinha na vida, será?
Afasto de mim as lembranças.
Minhas companheiras.
Atiro-me nos braços do mais sensato.
Fecho meus olhos,
Anulo-me às vontades,
Podem ser mudadas,
Preciso de novos horizontes.
Necessito me socorrer,
Libertar-me.
E amanhã?
Valerá à pena ter amanhecido?
Minhas revelações,
Recordações de quando fui capaz
De quando virei a mesa,
Me conheci!
Não estou feliz!
Viver se tornou uma arte
Ilusória e teatral.
Como toda farsa é prematura
A minha não se faria verdade.
Pois faltou um toque,
Um desejo
A vontade.
Me restou saudade
Do tempo em que minha face
Revelava quem realmente sou.
Eis o retorno, só deste me faço,
Volto ao meu terreno,
Entro na minha vida,
E lá que encontro no quarto
Aquela mulher, a mesma
Que nasceu em mim
E dela não me desfaço.
Mais uma vez me faltou
A vontade.
Esbarro-me naquelas tais “Memórias”
De um defunto hilário.
Folheio as laudas,
Eis que em uma página
Ele me diz: “leitora,
Estão lá os meus cinqüenta anos,
Aqueles teimosos, não tolhidos de frio
Nem reumáticos,
Mas adormecidos em sua fadiga,
Um pouco ávidos de cama e repouso.”
BM