10 outubro, 2008




Orquídea de Cianureto (chamar-te-ei assim) adentraste na vida que há tanto não possuo de forma abrupta, entraste dama, não obstante, varrendo meus corredores imundos, espanando o pó de criado-mudo, móveis em toda a casa, por onde tempos, na solidão, vagava o corpo trôpego, bêbedo esbarrando-se nos mármores que compunham minhas colunas não greco-romanas. Tu não bateste, não tocaste a campainha, não uivaste, nem à viva força chegaste, porém, me ganhaste no berro de um natimorto, no grito dos inocentes incautos, e eu, Alice num mundo sem espelhos e coelhos, tampouco maravilhas, cedi, embevecida pelo que não via, minha personagem fora cegada em um tal ensaio, minha Alice - eu, sou cega, para mim, Orquídea, tu nunca tiveste nome, eu não o saberia ler, para quê seres dotada de um?
Dizem, que neste mundo ao qual não pertenço, somos números, concordas?
Logo, minha flor, tu és uma seqüência de algarismo, estás assim, lá naquele cartório onde tudo começou, foste registrada, mas, para quem isso interessa, quiçá, para os tantos que já se aproximaram de ti, vales muito pelo Conselho a que serves, por quanto tens nas inúmeras contas bancárias, se guardas espécies em ilhas próprias, para o pérfido mundo isto é vital, mas eu não fui à escola normal como os demais, cabulara todas as aulas, e aprendi o que a vida me ensinou com a chibata, em meu mundo, num quarto barato, em um castelo de madeiras encalhadas que colhi certa vez isolada numa ilha tão tortuosa. Ousaria até, perguntar a ti, o que significaria tantos números que a sociedade outorga para os humanos viverem?
Minha flor adoecida chegou contaminada, injustamente acometida por algo que logo, ou daqui a um tempo a levará, não sei para onde – em meu cenário não cabe céu nem inferno. Esta flor a quem falo, tentou salvar uma vida, e sem querer, abriste mão da tua. Mais uma vez incauta, ela não seguira os mandamentos de cuidados para consigo, só pensou ela, Rosa, no outro, ele precisava viver, e o destino seguiu teu curso, o cacto infectou minha linda orquídea amarela, hoje, eu só tenho dela a folhagem, nunca mais floresceu, a vejo todos os dias, ainda que da janela, tuas folhas são de um verde vívido, mas desde certa data, nunca mais uma flor. Rego, cuido com tanta cautela de minha flor morta, a deixo dias pegando o sol da manhã, sem água, não pode ser exposta ao gélido, sou eu e minha orquídea apenas no mundo. Sei que ela necessita estar em um orquidário para que tenha saúde, mas meu egoísmo a trancou em minha alcova, atirei as cópias das chaves pelo ralo da suíte, só tenho a original, para levá-la toda manhã à sacada ao sol matutino. Disseram-me, que eu deveria ir até em um especialista, me deram um endereço, (não contem a ninguém) atirei fora o papel, ela não pode ir lá, eles a levariam de mim, eles por-na-íam dentro daqueles lugares fechados, isolada, trancafiada, encarcerada, como a minha plantinha reagiria? Eu não sei, do que conheço dela, não gostaria nem um pouco, ela é de espécie não parasita, minha orquídea, mesmo com os dias contados, me apronta peripécias. Não posso mais falar, tenho medo de que me ouçam, e descubram onde a escondo, eles invadiriam nosso lar, com armas em punho, metralhadoras fuzis, e levar-na-íam a-d-e-u-s.


BM