Rainha de Copas
Não é um conto de fadas.
Acorda Alice,
Desperte deste ressonar poético
E sublime,
Tão providencial.
Levante, Alice,
O corpo que estirado nas tábuas corridas
Era de uma exaustão
Exacerbadamente celestial.
Mas, Alice, necessito-te agora,
Minha ânsia em tirar-te a vida
Fora tão somente para não
Contemplar o lindo sorriso de dor
Irradiado nesta fenda que tens à face,
Pálida,
De um alvo mais que a neve.
Abra lentamente as pálpebras cerradas,
E olhe para mim,
Estes olhos infantis, deficientes, são
A expressão mais singela que
Os dias me ofertam cada manhã
Saltada da cama ao som do galo maldito.
Preciso-te acordada,
Levante, Alice,
Estou aqui, do lado oposto ao espelho,
E não a vejo,
Sim, apenas a Rainha de Copas
É refletida naquela placa imensa
De moldura em ouro e marfim.
Alice,
Não sou fada,
Nem tampouco cruel,
Quero há muito deslizar as garras vermelhas
Nas maças, aquelas,
De teu rosto
Róseo tão prematuro.
E de leve, cautelosamente
Percorrer
O decote que se regala
Num vicioso regaço
Fazendo-me a alma adormecer
Serena e descansar ao som de
Uma canção de ninar.
Retorno ao colo, é de tamanha beleza,
Que fico horas a fio, hipnotizada,
Estática, olhando-te
Não me penalizes por este feito,
Doce Alice...
Os dias já me têm ofertado fortuitas penalidades.
Sou peçonhenta apenas ao que te é aflitivo
Alice, não fique às avessas,
Ponhas-te de frente,
A esta soberana
Que uiva,
Clama,
Roga por teu exílio
Nestes braços meus.
Alice, venha apenas,
Mas venha assim,
Largada,
Abandonada,
Adoecida,
Cuido-te os ferimentos,
Cicatrizo-te a derme,
E a língua, toco a córnea,
Deslizando úmida e em brasa
Sugando as lágrimas que correm
Pelas maças suculentas.
Prometo, Alice,
Beber teu sofrimento aos goles.
BM
Um comentário:
Feliz essa Alice que tem uma dama disposta a beber seu sofrimento aos goles.Ainda que por ironia seja a Dama de Copas que a mandara decepar por um mero capricho.Belo jogo de imagens.
Luzia
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