27 outubro, 2007



Transplante


Tu, hoje me deixas nos braços
Um filho enrolado a um cueiro
Ainda sem bordas, as fraldas
Com as bainhas a serem feitas.
Largas-me assim, com este
Marido ao lado, inconsolável,
Em cujas lágrimas insopitáveis
Derrama toda a crueldade do que
É para um homem a trajetória sem ti.
Abandonas-me na casa de
Meus mortos, onde minhas quimeras
Foram assassinadas pelo destino que seguiu
Friamente o teu curso.
Ouço tua voz, é a minha pérfida e inútil
Consciência que berra tua ausência
Feito um bezerro desmamado.
Teus passos que deambulam de um
Lado a outro desta construção
De sólidas bases, caminhas até teu quarto,
Dele ao banheiro, à cozinha para apagar
O feijão que torra ao fogo e eu sequer noto;
Já não tenho olfato, a não ser para o teu perfume,
Quando invade as paredes de meu
Antro saudoso para me pedir que vá
Para cama mais cedo, e adormeça na paz que não domino.
Desculpa se me acobardo, se desejo mudar o rumo da prosa,
E passar, mesmo que por osmose o sopro de vida,
Que ainda pulsa nestas veias minhas esturricadas,
A ti, para que renasças fênix de asas perfeitas,
E conduza tua casa, teu menino, teu matrimônio...
Venha, encoste a mão no dorso da minha,
Neste ato somos amigas, irmãs, cúmplices, sou um útero
Ainda intacto pronto a derramar-te vida,
Tome meus pulmões com tuas garras e os
Transplante em ti, são saudáveis, acredite,
A mim, deixe apenas o coração proláptico,
Posto que este não é mérito a ninguém.

BM



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