07 fevereiro, 2013





Açoites

coração açoitado
cobram-me sorrisos marmóreos
daqueles dentes outrora reluzentes,
como ofertá-los se minha gengiva explode
o sangue de uma necrose?
duma boca não mais visitada...
estaria também o peito, este coração por demais
cardiopata, já arrítmico, em descompasso,
dançando ora acelerado ora cansado
de tantos açoites.
cá estou, escrava sobrevivente em um século perdido,
espiam-me os jagunços enquanto da derme
escorre, espirra, hemorragicamente,
o rubro de veias já cauterizadas.
alí permaneço, ainda sobre o lençóis amarelados,
onde um dia fui amada.

BM.



alices e nada mais
 
eu, tu, nós, alice que fomos,
tendo nossas corações molestados
pela cruel rainha de copas... será?
fomos tão inocentes assim?
seríamos Alices ou estamos mais para espectros de Hades?
talvez eu, personificada Perséfone em matrimônio com a morte
esta que a cabeça não me pouparia jamais,
estaríamos vivendo a dualidade de viver e morrer?
cá estou, observando esta guerra de titãs,
de peito aberto, tórax exposto, esqueleto...
sim, caro leitor, antes que levem-me o suspiro derradeiro,
faço-me pó, cinzas, tal como as que despejo nas esquinas das ruas
quando meu cachimbo não as suporta mais...
e meu eu-lírico, demente, suporta o quê?
tapas com luvas de pelica,
o escarro da boca beijada augustiana,
aquela mão que afaga é a que apedreja, já dizia o mestre...
e a pedra que brota desta mão, lançada, já se faz rocha,
indo de encontro ao meu corpo, teu corpo,
ainda suados, extasiados pelo amor que fizemos,
porém, estilhaçados, pelo golpe que uma pedra
é capaz de fazer...
permaneço alice,
quieta, atirada naquele velho e mofado
canto escuro de minha sala.
sou eu, a velha Alice atrás do espelho.

BM




sinto o olor, aquele aroma
de orquídeas que enfeitavam
nossa mesa de jantar...
tua mesa, na verdade, eu apenas
fui uma passante, talvez uma viajante -
vai saber, nem eu sei como me definir.
por que tu trocaste meus cachimbos
tão bem selecionados por cigarros
comprados na esquina?
o perfume mais raro de fumos selecionados
- que matariam teus girassóis -
por algumas tantas latas de cervejas
sorvidas até o último gole.
meu toque deveras suave,
em tuas melenas,
por mãos que vivem em guetos,
em ruelas, largadas à esbórnia,
cujos toques são nos mais variados
cabelos opacos e sem brilho.
por que tu não me disseste que
querias apenas viver como Al Berto
nos Equinócios?

BM




des-aprisionada

receio estar amando menos a cada segundo
temo não necessitar mais do som mavioso da voz
que é tua...
estremeço as bases sólidas de minha
carcaça quando penso em des-apego.
choro ao sentir que teu cheiro não mora
em meu corpo, e sim o meu voltou
a exalar pelos póros...
tua voz, para quê?
tu, um apego, o quê?
teu cheiro em mim, não tem porquê!