08 fevereiro, 2008



Renascimento


Tu, que me olhaste num tempo perdido,

Eu, cavalheiro errante, cavalgava por montanhas

Íngremes e sombrias.

Sem noção de regresso,

Sem paixão pela pele,

Sem querer pela vida.

Fui apreendido por ti.

Uma camponesa a me olhar pela janela,

De madeira envelhecida e vidros embaçados,

Mas podias me ver, até que acenei, exaurido,

Numa descida qualquer e me restribuíste

Com um doce sorriso,

Tão tímido.

Naquele instante a flecha do cupido

Atingiu o equívoco,

Transgressor,

Maldito,

Marginal...

Que se deixou contaminar pela tia boca

De lábios salientes, que mais bela

Ficara ao pronunciar: vem!

Pus uma venda em minhas dores,

Tatuei minhas cicatrizes com teu sorriso,

Sequei minhas lágrimas com tua ternura,

E me pego assim, tolo, romântico fora do século,

Mais uma vez pronto para amar!


BM




Reprise


Sim, aqui estou

Enclausurada ao círculo vicioso

Em que gira a minha existência

Tão ignóbil!

Não, dele não sairei;

Deparo-me mais uma vez

Com nomes expostos, correspondências,

Tanta dor, descuro nítido.

Até quando padecerei; "para o todo e

Sempre sendo a 'outra que o mundo condena'"?

Vou à cartomante

Para que me leia,

Sou obra complexa,

De difícil interpretação, porém,

Livro de capa reveladora.

Minha tez denuncia o descaso,

A insatisfação,

Mas dela não me desfaço

E nela me aprisiono.

Ainda não subi ao palco,

Portanto, não sei encenar.


BM




Hiato


Penso, onde estás agora

Este imenso desencontro consonantal

Na minha mente?

Ou na tua?

Sempre, quicá não; tudo é tão

Efêmero.

Um sopro nos traz à vida,

O mesmo a leva.

Mas não crês nisto;

A trivialidade para ti

É uma besteira,

Assim como eu.

A única visão que tenho

São de dois faróis acesos,

Faria eu poesia contemplando

O grande vazio do nada?

Não, quebro a pena,

Atiro o rascunho ao lixo...

É melhor acender mais um cigarro, leitor.


BM

Escuridão


A família Real de amparo,

Luminária? A cinza de charuto

Aceso, ou seria o luar?

Nunca parei para olhá-lo?

Será este meu defeito?

Falta-me luz, onde a encontrar?

Nos hospitais têm geradores...

Assim como nos motéis,

Para onde vou?

Não, quero padecer na penumbra,

Na chuva, na rua, na lama...

Na urna! É para lá que tu vais.

E o espledor que fulgurá um dia em

Meu ventre, trarar-me-á um rebento

Inepto como nós? Ou um intelectual como Nietzsche?

Nunca saberemos...

Disseste-me um dia que me serviria

Como luz de emergência; Mentiste!

Cadê tu?

Padeço como sempre me batendo

Nos móveis, já cansei de relatar

Que ando trôpega.

Onde estão meus pulmões pleuríticos?

Já se foram dois maços.

E a minha consciência?

Em ti?

Não, vagando cidade à fora.


BM


Tresvario


Vejam só no que me tornei...

Não, não quero que sejam platéia

De tamanha desgraça;

Dos psicotrópicos escondidos nos bolsos

[se podia D.João VI os frangos carregar

em lugar similar, por que eu não?]...

Da vitalidade que um dia tivera

E hoje se dissipa cinzas de CAPRI...

Hei, tenho medo de mim!

Não vejam meu braços auto-tatuados,

O sangue ainda escorre.

Por favor, garçon, um pouco de risperidona

No meu uísque, acho que estou esquizofrênica;

Não me mordam os caninos

Ainda sou capaz de tal atitude.

Ela se foi...

Para onde?

Só restara a minha genética

Podre e pérfida,

Inescrupulosa e demente;

Padecerei nesta loucura

Que me pertence.


BM.

07 fevereiro, 2008




Amadora


Fa-la-ía um soneto se

soubesse dominar as rimas.

Declamaria Drummond

se aquela voz ainda tivesse.

Desenharia no ventre teu

arabescos para decorar

o que já é arte,

faria poesia se versejasse.

"Sou poeta menor, perdoai"...

Se não, rabiscaria em papiros,

Com pena de pavão o amor por ti.


BM



Sedenta


Na boca: a saliva

que não é mais minha.

Nos seios: o molde de

teus belos dentes.

Nas costas: o sorriso grafado

em dentadas que ainda

eriçam-me os pêlos.

Nas mãos: o perfume

de tuas madeixas.

No sexo: o anseio ardente

e aquático.

Na imaginação:

o não acontecido.


BM



Re-encontro


Abala-me a visão a luz

que irradia daqueles

olhos azeviche....

Estarreço-me estátua grega

Fincada ao mármore,

sem movimentos,

não posso tocar.

Imersa em um mar voraz,

ensurdeço à melodia de tua voz.

Aproxima-te daquela cujos sentidos

foram furtados ao rever

teu amor maior.

Pois ainda possuo nas mãos

o olor do gosto...

e só me basta um beijo,

para que sinta o paladar da saliva

desta deusa que detém o poder

de avivar A Princesa Adormecida

Sem maldição.


BM



Tesouro


Minha musa

Deusa que não viera de Atenas,

Adormeça serena como se as

Almofadas de teu ninho,

A amparar-te fossem os braços meus.

Relíquia encontrada em expedições

Arqueológicas onde horas

A fio buscava minha maior preciosidade...

Guarda-la-ei junto ao ventre,

Posto que és vida,

Calor,

Existência...


BM




Em uma Hora

Enquanto uma minoria do Brasil
Se apressa, corre, voa, se joga em frente aos ponteiros...
Para adiantá-los em uma hora...
(permaneces inerte)
Menos uma, louvo, súplice, faltam tantas, mas tenho a ventura
De menos uma....
Tu permaneceras inerte, em uma hora perde-se uma vida,
Em uma hora o espermatozóide encontra o óvulo e fecunda...
Em uma hora a criança põe sua cabeça minúscula
Frente a este mundo podre...
Em uma hora eu brotei na última hora do ano...
Em uma hora eu estou a sua frente.

Corro....

Morro....em nada mais do que uma hora...


BM