27 junho, 2006


A Bent

Para que te ressonas
Nos travesseiros de um enxoval
Mascarado?
Para que ainda cerra as pálpebras
Se me terás sonhando consciente,
Por três noites a fio,
Perturbando tua quietude matinal?
Por que deixastes a garganta petrificar,
Tal como edema de glote,
Se ninguém nos espiava, não tínhamos testemunhas,
Para um beijo roubado, que sugaria a saliva,
Agora seca.
Por que ainda me ouves
Se nada mais digo,
Se são insonoros os meus berros?
Se sou criatura muda, calada,
Dona de um eu-lírico demente.
Por que carregas em tua mão esquerda
Uma argola que afirma um matrimônio?
Uma conveniência?
Por que te martirizas nos almoços de
Domingo à espera de outro alguém à mesa,
Se sabes bem,
Que teu homem não irá,
Nem tampouco tua mucama?
Por que alugastes filhos,
Se ainda sangravas teu ventre?
Por que ainda me olhas,
Sentada num banco de praça,
Se temes os nazistas já inexistentes?
Para que te afogas nos papéis
Espalhados das poltronas tão sedentas
De calor humano, quando só ofertas
Teus livros empoeirados?
Para que me versifica o que te oprime,
Te engasga, te sufoca,
Se sou o que tu escondes?
Por que me quisera tão somente em um passado
Remoto.
Nalgum pretérito imperfeito,
Quando não desejo que te mumifiques,
Mas que deveras deixe
Que te embranqueçam os cabelos
Enruguem pele e mãos,
Salpiquem as sardas em teu colo,
Um dia límpido.
E que recebas a velhice
De portas e braços abertos
Tal como uma anfitriã perfeita,
Sem lastimar jamais a falta
De uns braços hoje renegados.
Para que abraçar o peso de meu corpo
Já sem estímulo, depois de a vida,
Não mais pulsar nas veias...
E dizeres tão somente o quanto me quisera
Se não respondo mais, por quê?
BM

Um comentário:

Anônimo disse...

Dura como a peça.Cortante como o bico de uma águia.Difícil de engolir como as lágrimas que secaram alhures em outra garganta empedernida.
Luzia