26 abril, 2008




Poeticídio

O ministério poético adverte: poesia leva à depressão, transtorno afetivo, loucura, e pode, em casos mais extremos à morte.
Aos que têm hipersensibilidade à lírica perturbadora dos versos “augustianos”, meus “anjos” de asas amputadas, estas linhas são contra-indicadas.
Em caso de superdosagem o ideal é recorrer ao “Coelho” e um psiquiatra será de bom senso.

Vago

Estou diante de uma folha em branco
Algo me vem à memória deficiente;
“As impurezas do Branco” – nosso ilustre e
Perturbador Drummond; [calar-me-ei diante do “Amor Natural”]”
desculpai-me, professor; [cometeste a falácia intencional, apesar de não o pretenderes. Deixemos de lado].
Mas este é o dom dos que se arriscam a
Adentrar neste mundo escuso ermo surdo.
Estou preenchida pelo mais veemente vazio
Tão lotada que sai, escoa pelas bordas o nada.
Oca, ostra sem conteúdo livro sem pérolas
Existência sem viver relógio sem bateria...
Ah se pudesse eu ser dona do maldito tempo
[vejam quanta presunção: não domino nem as mãos]
Deste mal que me arrasta aos solavancos
Esbofeteando as faces rasgando minha pele
Que é sensível ao caminho cuja trilha me outorgaram.
Se pudesse pará-lo, fechar os olhos para o futuro;
Entrar em um coma induzido
Que me chamaria ao amanhã
Já com rugas e sem histórias para
Narrar aos netos infecundos.
Ou quem sabe voltar
Naquele passado remoto estagnar-me nele, lá,
Justamente quando me beijaste pela primeira vez
Aquele rosto que cobrias apenas com uma das mãos – acolhedoras.
E acalmava-me o choro com o olor das madeixas tão necessárias
Ao meu sono,
Hoje, despencam em mamitas que poderiam não ser
As minhas.

BM



Diálogo

Ela me dissera – “a criança dá o primeiro passo”.
Quando fora meu primeiro verso?
Meu choro acalmado pelas melenas da Mãe.
O “a” torto na cartilha – até hoje deveria usá-la.
Quando te conheci?
Quando te perdi?
Como o fiz?
Em que lugar te reencontrei?
Por quais sendas te buscarei?
Busca-la-ía em meus devaneios dementes
Encontrar-te-ía naquela fotografia cuja face
É a minha atual, não tu.
Nas nem tão recentes, encontrarei a beleza
O abraço teu semblante austero e terno.
Em minhas memórias acharia o vago,
Estou com o disco rígido vazio.
Nas minhas tormentas acharia a criança
Agarrada às pernas que são tuas, aos berros,
Enquanto me dizias – “calma, filha, te levantas,
Dar-te-ei um banho, por que choras?“
Porque a criança já aprendera a dominar os morfemas,
A juntá-los e formar palavras, o rebento dominara a leitura,
O signo significado e significante.
Agora, não mais do que no contemporâneo
Acho-te nos corredores dos hospitais,
Em macas, perambulando pela enfermaria, não te aquieta.
E onde estou?
Ao lado de fora, com os laudos os fonemas imagens acústicas
[Angústia...]
Tão imperfeitas e trôpegas como o próprio Saussure
Perdoai-me, mestre.
Prossiga Doutor...
Por favor.

BM

Censura

Seria aquela uma das
Imensas pequenas tantas
Empalhadas mofadas roídas...
Personas adormecidas n’alma
Idosa que ocupara
Meus sofás empoeirados
Velho acolhedor de livros censurados...
[Já de páginas e dentes amarelos
pelo cachimbo que lhe pendia os lábios].
Seria minha aquela imagem?
Quiçá tão apenas uma tela sépia.
O laivo de sangue na sobreveste
Cor-de-rosa não fora obra de criança
Arteira a percorrer vales sem mal
Saber andar, máculas feridas escaras...
Cortes profundos superfícies alcançadas
Num naufrágio – salvação?
Não era um longa metragem, nem encenava
“Navalha na Carne”, tinha, decerto ou errado
A lâmina na pele derme epiderme.
Rasgos dos quais expectorara versos
Colorindo de carmim as gazes
Pelo sangue estancado.
Lamúrias, o bebê que ressona
Desperta aos prantos...
Calma, por favor,
Não arrombe...
abrirei.

BM.



Domínio – Dominus – Domi-nó

Queria ser analfabeta funcional
Queria ser encenação de palco
Arlequim de carnaval
A dançar mascarada
Da verdade desmistificada.
Queria não ter emoção
Queria nunca saber da razão
Nem a quem ela pertence.
Queria dominar a fera, em cujas
Aparições deixa rastros de sangue
Nos cueiros, e marcas eternas
Pela pele pestolenta.
Queria não acordar
Queria morrer por algumas
Horas, ah, “As Horas”...
E desvendar os mistérios
Do nada.
Queria odiar os amados
Amante dos transgressores ser.
Queria o domínio do dominado
Solamente...

BM



Conjecturas

Apenas
Penso hesito minto – mito...
Posso estar louca
Posso estar velha
Posso ser Deus.
Se estivesse morta, temeria
Fechar os olhos, cerrar as pálpebras,
Porém, como ainda respiram meu pulmões
Cuja pleurisia não acometera,
Estou aquém de ser intimidada pela urna.
Mas a camisola com a qual desejava
Deitar a sete palmos,
Aquela que te presenteei n’alguns
Destes natais ignóbeis em que passavas
Adormecida... lembras?
Posso estar sendo exigente
Egoísta – talvez- dêem o nome que lhes aprouver
Leitores;
Mas eu,
Eu quero mais.

BM