27 julho, 2006




Maravilhosamente Oculta

E lá estava ela
Deitada naquela cama cativa
O corpo largado por entre os lençóis,
Cabelos soltos,
Jogados no travesseiro,
Seu conselheiro nas noites gélidas
Em que minha ausência a abraçava,
E este, manchado pelas lágrimas
Ocultas e omissas que o malogro
De seus dias insanos trouxeram,
Sem jamais ter platéia
Para um ato tão natural.
Era uma mulher austera
Malandra em suas artimanhas.
Daquelas que nem as vigas de aço
São capazes de derrocar.
Nada estilhaçava aquele modelo
Na vitrine. Que é invejado pelo que nunca foi.
Mas lá estava ela,
Abraçada à única manta
Que cobria o nu de sua alma,
Aquela camisola que
Luzia em minhas pupilas
Cada vez que a pena e o papel
Não eram mais as miragens em meus olhos.
E naquele instante, era
Acometida pela inocência
Do choro alucinado
De uma criança que vê
A luz do dia,
Quando a mãe sofre
As dores de excretar
O que um dia foi entranhado
Com os gemidos lascivos prazer.
Mas ela, adormecida
Era a personificação
De uma tamanha ingenuidade
E lá estava eu,
Mas ela sequer me via.

BM

Gata Nua


Correndo rua afora
Em um ato repentino
Para não ser laçada
Pelas armadilhas da paixão
Tento não me render a ti.
Mas na queda de braços
Perco meu espaço para
O coração que já grita descompassado,
E sequer respondo por mim.
Emudecida me lanço
De corpo e alma em tuas garras.
E hoje,
Vivo a espera dos momentos
Em que terei meu corpo
Unido ao seu num instante mágico.
A lembrança daqueles olhos brilhantes
Mantém meu corpo estático
Inerte,
Entregue.
Completamente desvairada
Em um desejo voraz
De viver os dias
Presa nos braços macios teus.
Minha boca súplice,
Roga,
Pede,
Implora
Por um beijo ardente
Que me eriça os pêlos
Até desnudar a alma
De todo pejo contido.
Ouço o som mavioso de sua voz
Ao pé do meu ouvido
Me confessando em meio a sussurros
O que deseja de sua donzela.
Deite meu corpo ma relva
Na lama,
Na cama
E me tome por um ímpeto fugaz
Cale meus gemidos frêmitos
Para que o mundo não ouça
Meus anseios carnais.
Apague a luz,
Na penumbra matutina
Venha buscar a meretriz
Que te aguarda em meio aos lençóis
De um santuário tão sagrado.
Basta um beijo
Para a nossa chama acender,
Me faço,
Roço as costas
Em teu corpo que me esperou
Por séculos.
Sou sua,
Gata,
Nua e crua.


BM

Virótica


Ali, estirada naquela maca
Estava ela,
De tórax ereto,
E olhos cerrados,
Padecendo de uma moléstia incessante,
Corrosiva.
Desgastava,
A olhos visto,
O que ainda dispunha de massa
Corpórea era tísica.
Na face, os vestígios das lágrimas
Que tais como córregos,
Encharcavam-lhe os travesseiros,
De fronha verde, a manterem ainda suspenso
Aquele corpo que tombava.
Uma tosse crônica lhe acometia,
Ela tentava expurgar o que bloqueava
Tua glote.
Mas a mim, nada dizia,
Pois era mais conveniente manter
A sua fama, mesmo que pré-cadavérica.
Era mais providencial ter ao chão
A aliança que escorregava deveras dos
Dedos ossudos.
A olhar para o que estava ao lado,
Uma reles mortal,
Também acamada,
Tão próxima ao leito, e distante da vida tua.
Tão ávida do repouso justo junto a ti.
Quiçá as cataratas, ou a miopia
Embaraçavam-lhe as visões
E não me notavas.
E eu sequer, podia pentear-te os cabelos,
Ralos e tão castanhos.
Lindamente adoecida
Ela morria,
Enterrava-se,
Empoeirava-se de um gris,
E eu, apenas espiava
As cinzas indo ao longe,
Na janela dos corredores brancos.

BM

22 julho, 2006


Àquela


Desta por quem tenho amor,
Recebo, o indizível,
O impagável,
O excêntrico.
Sentimento surreal,
Repleto de uma malvadeza tão terna,
Que me chega a ser branda,
Feito as flâmulas dos faisões
Nas maças levemente coradas
Daquela que ressona reclinada
Ao tronco de arvoredos
Em parques já desmatados.
Aquela me dói,
Me traz à tona todas as alegrias
Um dia cauterizadas de forma
Tão perversa...
Me foram abortadas ainda embrionárias.
Por ela, minhas entranhas são corroídas,
As faces manchadas pelos córregos e kajais.
Quando a possuo, sinto pulsando em mim,
O sangue de veias já trocadas.
Sou acometida por um semblante
De um branco saciado, quase marmóreo – meus dentes,
Sorrio.
Oferto aquela que amo,
Toda a minha juventude já envelhecida.
As mãos gélidas, porém ávidas.
Os olhos escusos, que ainda piscam.
O coração proláptico, que ainda vive.
A esta tão somente – “somente”.
Aquela todas as horas de meus dias soturnos.
Todas as traças de nossos sofás.
A mim, um corpo adormecido,
Por milênios à espera,
Para que fosse posta em flamas
Uma vela vermelha ao teu contato
Com as cicatrizes de minha carcaça.
Éramos apenas febre,
Comoção tenaz,
Ao passo mínimo dos pés
Enlaçados naquele ritmo
Único,
Que punham nos olhos meus,
O nunca visto – tu.


BM

21 julho, 2006


Tua Cortesã
Para sempre em ti,
Tua eterna cortesã sou,
Entre em minha vida
Feito felina
Pule a minha janela
Feito uma bandida,
Sem pedir licença,
Me apanhe os sentidos
Tire-me o ar,
Roube o fôlego
Com um beijo quente,
Tome-me pelas ancas
Deixe-me de quatro,
Enlace meus cabelos
Em teus dedos firmes,
Faça-me olhar a vontade cálida
Que te invade
Deixando a secura na boca,
Fale,
Chame,
Uive em meus ouvidos,
Dê-me o cio
Como recompensa.
Apague o fogo
Que arde nas entranhas minhas
Fazendo meu corpo arfar de paixão.
Só tu és capaz
De abafar os meus gemidos
Deite-me na relva,
Apóie-me na mesa,
E me prenda no seio
Após uma noite
Inteira de desejo.
E depois, meu éden,
Mantenha-me presa
Em tuas garras
Por toda a eternidade,
Minha fera ladina.

BM


Gravidar-te


No útero, a véspera,
O tão desejado,
O oculto me comprimia
Já a pele que se esticava
Tão lenta e vagamente.
Grávida de um desejo insano,
Inocuamente devastador,
A quebrar sonhos tais como quartzos
Se estilhaçando, partindo meus eu-líricos
Nos cantos temerosos e sombrios...
Onde a reciprocidade sentava no sofá ao lado,
De uma língua flamante
Que sorvia o escorrido nos olhos lânguidos.
Meu rebento crescia em um corpo
Estéril,
Incapaz...
De carcaça crua e íris sem luz,
Buscando, quiçá, nalgum
Porto, a calmaria.
Não éramos prematuros,
Éramos botão,
Na vil tentativa de me evadir,
Quis malograr minhas antíteses,
Meus paradoxos,
Oxímoros tão apropriados.
Mas o vulcão já me consumia
Os flancos em arrancos
E levavam ao desvario tão cobiçado.
Gravidar-me-ei deste amor,
Pois já é uma parte de mim,
E porventura, a mais extensa.


BM