27 outubro, 2007



Transplante


Tu, hoje me deixas nos braços
Um filho enrolado a um cueiro
Ainda sem bordas, as fraldas
Com as bainhas a serem feitas.
Largas-me assim, com este
Marido ao lado, inconsolável,
Em cujas lágrimas insopitáveis
Derrama toda a crueldade do que
É para um homem a trajetória sem ti.
Abandonas-me na casa de
Meus mortos, onde minhas quimeras
Foram assassinadas pelo destino que seguiu
Friamente o teu curso.
Ouço tua voz, é a minha pérfida e inútil
Consciência que berra tua ausência
Feito um bezerro desmamado.
Teus passos que deambulam de um
Lado a outro desta construção
De sólidas bases, caminhas até teu quarto,
Dele ao banheiro, à cozinha para apagar
O feijão que torra ao fogo e eu sequer noto;
Já não tenho olfato, a não ser para o teu perfume,
Quando invade as paredes de meu
Antro saudoso para me pedir que vá
Para cama mais cedo, e adormeça na paz que não domino.
Desculpa se me acobardo, se desejo mudar o rumo da prosa,
E passar, mesmo que por osmose o sopro de vida,
Que ainda pulsa nestas veias minhas esturricadas,
A ti, para que renasças fênix de asas perfeitas,
E conduza tua casa, teu menino, teu matrimônio...
Venha, encoste a mão no dorso da minha,
Neste ato somos amigas, irmãs, cúmplices, sou um útero
Ainda intacto pronto a derramar-te vida,
Tome meus pulmões com tuas garras e os
Transplante em ti, são saudáveis, acredite,
A mim, deixe apenas o coração proláptico,
Posto que este não é mérito a ninguém.

BM



13 outubro, 2007



Ausência


Tu, que te agarras às minhas camisolas de seda inexistentes...
Ou de chiffon com adornos bordando uma delicadeza única
Não podes agarraste à elas, são invisíveis, são foto polaroid
Perderam-se no tempo de um século malogrado...
Hoje, só te restam meus pijamas, de calças folgadas, azul celeste...
Mangas compridas, e botões cintilantes como as lágrimas
Que brontam na face tua, escaldando as maças tão límpidas
De um rosto que não nascera para receber a acidez do pranto
Provocado pela ausência do seu amado...
Tu, que hoje não pode acorrentar-me a teus braços firmes
Nem podes tocar uma canção de ninar para que eu adormeça
Sem paz, sem zelo, com descuro...
Tu, que os olhos são refletores d'alma...
Qual, Ismália enlouquecida, hoje quer se atirar ao mar
Pois fora tomada pela ilusão de que existiam duas...
De que eu, Bruna, era par;
Nego, sou ímpar, não há no mar a minha figura reluzente à luz nocturna
Tal como a lua de Alfhonsus..
Portanto, não te atires aos meus lençóis pueris,
Minha lembrança amnésica não está no perfume daquele refil na suíte.

BM

06 outubro, 2007





“Por enquanto eu morri, vamos ver se renasço” C.L.

Suicidada

Agora está decidido,
Vou cortar as unhas,
Não as pintarei mais de carmim,
Rasparei as melenas,
Não as deixarei mais azeviche,
Serei ruiva na certidão,
Incompleta de nascimento,
Perpétua pelo destino,
Carregarei minha cruz,
Se me deram este peso, eu suponho
Que devo suportar.
Não rasgarei mais meus membros,
Golpearei as poesias que correm soltas
Envenenadas como o sangue
Contaminado de nossas veias.
Não matarei a ti, pois morrerás comigo.
Não tomarei mais cicuta com a validade vencida,
Brindaremos cianureto em meu velório,
Fugirei das mesóclises, não sei usá-las mesmo.
Minhas orquídeas, despetá-las-ei...
Tenho raiva delas, tenho asco de mim,
Tenho amor por nós,
Por isso, me odeio.
Por isso, amo-te.
Posto que tu és luz,
Enquanto eu sou sombra,
És alva,
Enquanto eu de nacionalidade duvidosa.
És nobre,
Nada além de uma plebéia sou...
És culta,
Nem tenho gramática.
És poeta,
Sou verborrágica.
És vida,
Sou a urna clemente onde
Deitarei ao som de Fédon,
O cadáver há muito falecido.

BM.





Suplícios


Já não são mais somente três vezes,
Que clamei por ti.
Em meio as noites desatinadas de meu percurso
Torto, tonta eu já perco as contas.
Já não são mais três os morfemas
Que grafam minha infelicidade,
Rascunharia a face por tanto descuro.
Em tão alto grau quis assassinar-te,
Mas não posso me valer do pretérito,
Posto que me seja imperfeito,
Valho-me do agora e nunca,
Do quanto quero tê-la morta
Em meus braços, da vontade
Que me invade o peito, me crava os pulmões
Já pleuríticos, de ter emergido teu corpo
Já sem vida desta lama, poltronice na qual
Imergiste, e me parece sem volta.
Sinto eclodir em meu peito que não é proláptico
A avidez de te presentear com o mais belo
De minh’alma – tua morte.
Assim, poderia roufenhar baixinho
Ao pé de teu ouvido cadavérico:
- Acorda, Alice.

BM.