05 março, 2007



Parto

São trinta e oito semanas
Ou nove meses,
Como quiserem rotular
O fim de uma gestação...
Sim, a vida dele está formada,
Lembro-me de cada detalhe
De nossa gravidez...
De como este broto fora
Concebido...
Das escolhas lexicais,
Das poesias trocadas,
Poesia com poesia se paga...
São palavras tuas, meu bem, lembra-te?
Lembro de nossa tríade inicial,
“Por três noites clamei teu santo nome”
Hoje, por mais que não queiramos somos três,
Encarnados,
Vivos,
Intensos,
Até talvez, arranhados,
Taças trincadas pelo descuido.
O primeiro fio de cabelo branco
Que furtei de tua responsabilidade
Carrego desde então em minhas entranhas.
O beijo roubado entre as poltronas
Desconfortáveis de um cinema.
O dia em que nos amamos ardentemente
Nas almofadas laranja de um sofá
Sem traças...
Fora feito nossa prole,
Nosso precioso rebento,
Agora, desnuda eu de meus artefatos
Sem kajal nem batom,
Parindo algo que sobreviveu às últimas semanas
Berrando por ti em meu ventre...
Nos braços de uma mulher...
Que estendia, luzindo, o nosso sonho.

BM


Profecia

Os fantasmas sobrevoam
Meus cabelos queimados pelo sol
Tal como corvos, anunciando o
Mais soturno de meus dias.
Tu te foste sem ao menos
Um aceno,
Minha paz, fora em tua bolsa,
Dentro de tua carteira – meu sorriso.
Petrificados em teu colo, ficaram meus olhos.
Desespero de minha calmaria...
Temporal de minhas manhãs ensolaradas,
Eu amo tuas falhas...
Teus erros mais corriqueiros.
Quero deitar contigo em urna marfim
E seguir à única certeza terrena – a morte.
Quero sangrar ao te fazer chorar,
Desejo a punição para os meus membros,
Que sejam pisoteados um a um,
Na guerra do fim dos tempos.
Oferto meu pescoço à guilhotina...
Minhas costas, ao barão, para que
Chicotei meu dorso até
O corpo inteiro ficar coberto de sangue.
Quero teu grito, teu chamado,
Pois minha língua fora decepada pelos
Nazistas quando declarei que amava...
Sou culpada, tal como uma peçonhenta,
Sigo arrastada ao júri...
De lá, viva não sairei
Pois temo a repressão de teus
Olhos míopes e présbitos.

BM


Por favor


Empresta-me teu peso
Para eu sentir o que suporta
Tuas costas.
Estas mãos, para que eu veja
O que é ter as marcas das chibatas.
A voz, para que eu saiba
O que é calar.
Teus ouvidos, para que eu ouça
Tudo o que te agredi.
Tuas pernas, quero sentir
O cansaço dos anos em teus joelhos
Já adoecidos.
Tuas lágrimas, para eu saber
O quão doloroso é teu pranto.
Teu coração proláptico
Para que eu tenha uma taquiarritmia.
Roubar-te-ei os punhos
Para morrer em teu lugar.


BM


Apelo

Dei a ti o mais sublime
De minh’alma – aqueles
Versos que compõe
Ora riso, ora pranto.
Versos tortos, se fosse
Poeta saberia versejar,
Mas nem rimas perfeitas
Consigo eu dominar.
Quisera cometer odes para ti,
Minha donzela,
Uma métrica alexandrina...
“Sou poeta menor, perdoai”...
Fá-la-ia sonetos mil
Se tivesse inspiração,
Sentar-te-ia no trono
De que és merecedora,
Em um castelo medieval
Que construiria com meu suor...
Mas não sou mucama,
Nem tampouco Álvaro de Campos,
Sou simplesmente
Sua reles amante!

BM


Marcada

Por ti, trago na epiderme
Alguns estigmas,
Símbolos de dor?
Marcas feitas por amor.
Nos flancos que são teus
Desenhei a flor que te é predileta.
Neste ventre, assaz venerado
Pulsa um coração iluminado
Tendo como punhal – uma rosa.
Minha flor tirana,
Minha dor existencial,
Meu mal necessário,
Página de meu destino,
Tu me és vital.

BM